"A vida é de quem se atreve a viver".


Monica Benicio: “O governo Bolsonaro é infame, perverso, um verdadeiro flagelo. Precisamos construir uma unidade para enfrentar o campo político bolsonarista, sem deixar de lado a defesa de um projeto democrático, popular, antirracista, feminista e ecológico”.
Monica Benicio: "Os bandidos precisam ser condenados pelo assassinato de Marielle"

Romário Schettino –

Em entrevista a este site e ao "Brasil Popular", a vereadora Monica Benicio (PSOL) disse que vai manter a luta pela conclusão das investigações sobre o violento assassinato de Marielle Franco: “Acredito que as autoridades devem uma resposta ao Brasil e ao mundo, pois este foi um grave atentado à democracia. É necessário que os movimentos sociais mantenham mobilização permanente para cobrar uma resposta à altura da gravidade desse crime. Os bandidos precisam ser responsabilizados na forma da lei!”.

Sobre os cuidados com a sua segurança pessoal, Monica disse que “todas as medidas estão em pleno vigor desde a campanha eleitoral e, após a eleição, foram reforçadas. Vale lembrar que além da atuação local, que é realizada pelas melhores e mais qualificadas equipes do nosso país, existe uma medida cautelar da OEA que responsabiliza o Estado brasileiro em caso de violação à minha integridade”.

Ao assumir seu mandato, Monica Benicio fez críticas ao prefeito Eduardo Paes (DEM). “Apesar de ele estar trazendo a vacina para o Rio, observamos um posicionamento ambíguo. Ao mesmo tempo em que divulga fiscalização das aglomerações, em ações da Secretaria Municipal de Ordem Pública, que historicamente são truculentas e autoritárias, autoriza a realização de shows, o que não deveria ser permitido”.

Monica falou também sobre o projeto de revitalização do Centro do Rio, que não “deve ser excludente”, e emitiu opinião sobre as chamadas políticas identitárias.

Sobre a gestão Bolsonaro, Monica disse que este “é um governo infame, perverso, um verdadeiro flagelo para o Brasil”. E que é “preciso construir uma unidade de forças forjadas na oposição ao campo político bolsonarista, sem deixar de lado a defesa de um projeto democrático, popular, antirracista, feminista e ecológico”.

Monica Benicio, 34 anos, é militante de direitos humanos e ativista LGBTI+. Arquiteta urbanista, formada pela PUC-Rio, onde também se tornou mestre em Arquitetura na área de "Violência e Direito à Cidade".

Nascida e criada na favela da Maré, no Rio, Monica foi eleita vereadora com 22.919 votos e tem pautado sua atuação na promoção e defesa dos direitos das mulheres e no debate urbanístico com foco na inclusão social.

Desde a execução de sua companheira, Marielle Franco, em 14 de março de 2018, vem se dedicando incansavelmente na luta por justiça para este crime bárbaro, se tornando referência internacional na defesa dos direitos humanos.

A seguir, a íntegra da entrevista:

Como o seu mandato pretende contribuir para a conclusão das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco?

Pretendemos atuar institucionalmente, dentro daquilo que está ao alcance de um mandato no legislativo municipal.  Acreditamos que as autoridades competentes devem uma resposta ao Brasil e ao mundo, pois este foi um grave atentado à nossa democracia. Para além da cobrança institucional, é necessário que os movimentos sociais mantenham mobilização permanente para cobrar uma resposta à altura da gravidade desse crime. Os bandidos precisam ser responsabilizados na forma da lei!

Qual a sua expectativa em relação ao novo Ministério Público do Rio de Janeiro tendo em vista o caso Marielle?

Ainda não tenho informações a respeito da nova equipe, porém o fato de terem feito as alterações sem nenhuma consulta às partes envolvidas foi um sinal muito ruim. Estive na posse do novo procurador-geral do MPRJ e me coloquei à disposição para ajudar no que for preciso.

Há alguma ameaça à sua integridade física desde que assumiu o cargo de vereadora? Se há, o que está sendo feito para garantir a sua proteção?

Todas as medidas de segurança estão em pleno vigor desde a campanha e, após a eleição, foram reforçadas. Vale lembrar que além da atuação local, que é realizada pelas melhores e mais qualificadas equipes do nosso país, existe uma medida cautelar da OEA que responsabiliza o Estado brasileiro em caso de violação à minha integridade.

O desrespeito às minorias, associado à violência estimulada, a homofobia, a lesbofobia, são os principais problemas apontados por quem critica a gestão de Marcelo Crivella e seu aliado Jair Bolsonaro. Como o seu mandato pretende enfrentar essas questões?

Acho que é importante trazer essas questões para o centro do debate. Mostrar que uma cidade segura, inclusiva e funcional para as ditas minorias é uma cidade boa pra todo mundo. No âmbito municipal podemos elaborar ações concretas de geração de renda, centros de acolhimento, promoção da cidadania que alavanquem a população LGBT do Rio ao status de plenas cidadãs e cidadãos. É o que está faltando: reconhecer e valorizar a participação efetiva das pessoas pertencentes a este grupo na construção da nossa cidade. Somos cidadãs e merecemos respeito.

Há uma discussão sobre a efetividade das chamadas políticas identitárias. Alguns estudiosos pensam que essas políticas segregam as lutas em vez de trabalhar a união em torno de uma frente única. Essas pessoas acham, por exemplo, que seria mais eficaz a união das feministas, do movimento LGBTQI+ e dos negros. O que a senhora acha disso?

Eu acho que existe um erro enorme nessa avaliação. Essa visão sobre as pautas ditas identitárias normalmente nega a diversidade existente na classe trabalhadora. A ideia do operário homem, branco, cisgênero e heterossexual é, por si só, um identitarismo, que idealiza um trabalhador que nunca existiu dessa forma na realidade brasileira. Nós somos um povo formado sobretudo por mulheres e por pessoas negras e racializadas. Dessas pessoas, LGBTs são uma parcela menor, mas também expressiva. E todas essas pessoas possuem demandas e lutas históricas que precisam sim se cruzar nas intersecções de classe, raça e gênero, mas não são uma coisa só. São lutas diversas, com históricos diferenciados e com potencial enorme. E é na potência que essas lutas precisam se cruzar, junto com todas as pessoas exploradas e oprimidas por esse sistema.

O que está achando das primeiras medidas do novo prefeito Eduardo Paes em relação à crise sanitária e em relação à vida urbana do Rio?

Diferentemente do último prefeito, Paes está buscando trazer a vacina para o Rio, mas observamos um posicionamento ambíguo da Prefeitura: ao mesmo tempo em que divulga fiscalização das aglomerações, em ações da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Seop), que historicamente são truculentas e autoritárias principalmente com as/os trabalhadas/es informais da cidade, autoriza a realização de shows, o que não deveria ser permitido considerando a situação de alto risco do município nesse momento da pandemia. Sem falar da omissão do município perante as comunidades quando o assunto é saúde. Deveria estar sendo distribuído álcool em gel e máscaras, sendo feita a higienização, mas nada. O enfrentamento da crise sanitária precisa ser alvo de política pública integrada e de uma ação de conscientização ampla e baseada em dados, não a partir da responsabilização de indivíduos que na ausência de uma posição efetiva tanto do Governo Federal, quanto do município, se sentem encorajados a não manter o isolamento social. Em relação à vida urbana, há muito o que falar, mas quero destacar a transferência da atribuição de licenciamento urbano e ambiental, que antes estava na Secretaria de Urbanismo, e agora foi transferida para a Secretaria de Desenvolvimento, que tem a missão de “desburocratizar”. Temos que estar atentas e atentos para que não seja feito aqui no Rio o que Ricardo Salles está fazendo com a Amazônia.

A senhora concorda com a necessidade de revitalizar o Centro do Rio? De que maneira isso deve ser feito?

O centro do Rio de Janeiro está vivo e apesar de toda omissão do poder público, inclusive na gestão anterior de Paes, ele é ocupado, vivenciado e apreciado pela população carioca, principalmente pela classe trabalhadora. É claro que melhorias serão bem-vindas mas esse processo deve ser feito de forma democrática e horizontal com a escuta atenta às necessidades da população, das entidades representativas, dos movimentos sociais e da sociedade civil organizada e não somente dos empresários da construção civil e comerciantes. Consideramos óbvia a necessidade de investimento em moradia popular no centro mas não podemos esquecer que Paes anunciou a produção habitacional na região portuária do Rio em sua última gestão, um plano de habitação de interesse social foi elaborado em 2015 e nenhuma unidade habitacional foi entregue por lá, mas a região segue privatizada, onerando os cofres públicos com o oferecimento de serviços que, antes públicos, agora são operados por agentes privados. Queremos moradias no centro mas isso tem de ocorrer sem que haja gentrificação, isto é, esse movimento que encareça o custo de vida no bairro e expulsando os moradores locais. Assim, deve haver investimento no Centro, para atrair mais moradores e comércio, mas o custo de vida não deve aumentar, o valor do IPTU ou eventuais isenções desse imposto devem ser mantidas e, principalmente, não é admissível que a gestão do centro seja privatizada ou vire objeto de concessão.

O Brasil vive um governo cheio de escândalos. O caos vem se instalando dia após dia. Como a senhora avalia o governo Bolsonaro e o que precisa ser feito para unificar a luta contra o seu governo?

Avalio o governo Bolsonaro como infame, perverso, um verdadeiro flagelo para o Brasil. Bolsonaro e seus ministros parecem não se importar com a vida das pessoas. Suas práticas e discursos muitas vezes representam uma real ameaça à democracia brasileira. Suas ações frente à crise causada pela pandemia foram, no mínimo, irresponsáveis e precisam ser investigadas. De maneira simultânea e sem nenhum apoio do governo federal, a população está sendo obrigada a lidar com as duras crises sanitária e econômica. Sendo assim, acredito que o principal desafio atual é derrotar o Bolsonaro nas urnas e o bolsonarismo nas ruas. Para tal fim, precisamos construir uma unidade de forças forjadas na oposição ao campo político bolsonarista. Isso deve ser feito, no entanto, sem deixar de lado a defesa de um projeto democrático, popular, antirracista, feminista e ecológico.

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