"A vida é de quem se atreve a viver".


O pesadelo é saber que teses como a do “terraplanismo”, “marxismo cultural” servem à mesma finalidade: alimentar o ódio à ciência e à cultura para se manter no poder.
2019 – o ano do pesadelo

Romário Schettino –

O pesadelo nacional começou no dia da eleição de Jair Bolsonaro à Presidência da República. As promessas do então candidato eram assustadoras, mas alguns desavisados, ou mal intencionados, achavam que eram apenas brincadeiras de mau gosto. As supostas bravatas eram baseadas na desinformação, nas fake news produzidas em massa, alimentadas por robôs e distribuídas pelas redes sociais.

Depois da posse desse indivíduo vieram as primeiras medidas destruidoras das políticas sociais, as agressões, os estímulos à barbárie, à falta de educação, ao estímulo à violência, à misoginia, ao preconceito racial e às minorias. Bolsonaro dizia que ia governar para as maiorias e que as minorias tinham que se “submeter”.

Não há retrospectiva de 2019 sem mencionar as ameaças às liberdades de expressão, à censura enviesada ou direta. As artes sofreram ataques diários. Bolsonaro, além de destruir a Ancine, se recusa a assinar o decreto anual que define a cota de tela para o cinema nacional em 2020. Desta forma, favorece os blockbusters estadunidenses.

As artes plásticas foram desprezadas e os museus abandonados. Quando o Museu Nacional do Rio de Janeiro foi consumido pelas chamas, Bolsonaro disse: “Já queimou, né, fazer o quê?” Financiamento público para a cultura, nem pensar. As empresas estatais que distribuíam recursos para produções culturais cortaram as verbas e passaram a ideologizar suas escolhas.

Os xingamentos diários de Bolsonaro nas redes sociais incluíram ofensas à mulher do presidente da França, desrespeito ao cientista Ricardo Galvão, que presidia o Inpe, por ter divulgado informações sobre o desmatamento na Amazônia. Galvão é considerado um dos maiores cientistas do mundo.

Essa aparente demência, ou non sense, tem um objetivo claro, manter seu eleitorado fiel à máquina de fake news, o novo brinquedo do totalitarismo tecnológico, que Bolsonaro criou com ajuda de seus amigos sediados nos Estados Unidos. Por isso, teses como a do “terraplanismo” e do “marxismo cultural” servem à mesma finalidade: alimentar o ódio à ciência e à cultura.

As principais vítimas do bolsonarismo foram os direitos humanos, o meio ambiente, a saúde pública, o ensino universitário. Os direitos trabalhistas chegaram a sofrer a esdrúxula ameaça de taxação do seguro desemprego para financiar a redução dos juros bancários. Ainda corremos esse risco, embora o Congresso Nacional já tenha dado sinais de que não aprova essa loucura.

Bolsonaro passou este ano todo tentando vincular sua incapacidade de governar aos governos do PT, que ele chama ora de “socialistas”, ora de “comunistas”.

A ideia do Estado minúsculo é fortalecida com a voraz fome privatista. Desnacionalizar é a ordem de Paulo Guedes, ministro da Economia. Desregulamentar é outra obsessão, entregar tudo para o setor privado como se isso fosse a varinha de condão capaz de resolver todos os problemas da sociedade moderna, globalizada e profundamente desigual.

O ministro da (in)Justiça, Sérgio Moro, fruto de uma negociata anterior aos resultados eleitorais, faz parte do jogo que pretende não só distribuir armas para quem pode compra-las como autorizar a morte sem julgamento por meio do instituto ampliado da “excludente de ilicitude”, rejeitada pelo Congresso, mas que ele insiste em reapresentar a todo custo.

O Supremo Tribunal Federal (STF), contrariando Moro, acabou por favorecer o ex-presidente Lula colocando-o em liberdade. As prisões devem ser apenas após esgotadas todas as possibilidades de recurso. Mas Lula ainda espera pela suspeição de Moro enquanto juiz de seus processos.

A rede de proteção social criada nos governos Lula e Dilma não é considerada por esse governo neoliberal e de extrema-direita. O resultado é aumento da pobreza, da fome, do número de moradores de rua, da violência.

Embora o assunto aqui seja 2019, é sempre bom lembrar o período do presidente Lula, que saiu do segundo mandato com 87% de aprovação popular. Lula fez Dilma sua sucessora, que também se reelegeu, mas foi boicotada e acabou por sofrer o golpe de 2016.

Lula levou o Brasil à condição de sexta economia do mundo passando a Inglaterra. No governo Lula, o Brasil chegou ao pleno emprego. Foi no governo Lula que a Petrobras desenvolveu tecnologia inédita no mundo e descobriu o pré-sal. Lula e Dilma deixaram nos cofres públicos 380 bilhões de dólares, uma das maiores reservas cambiais do planeta, mas os jornais conservadores e golpistas, que fazem parte dos 13% da população que não aprovaram Lula, ignoram, desprezam e torcem o nariz.

O próximo ano será de eleições municipais. O quadro político será definido nas coligações partidárias e, certamente, vai pavimentar o caminho para 2022. Uma ampla aliança progressista se desenha para combater a extrema direita, que pretende ampliar sua base eleitoral e disputar a reeleição. Um centro, ainda não definido, vai querer ser o fiel da balança. Enquanto isso, o vice Hamilton Mourão sai em missão pelos Estados conversando com os governadores, especialmente os do Nordeste, sobre eventuais novidades no percurso. Não sabemos ainda o que isso quer dizer.

Quem sabe 2020 seja o ano do não-pesadelo. Tenhamos todos boa sorte.

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