Romário Schettino -
Em poucos dias passamos por situações aflitivas no Brasil e no Rio de Janeiro. A morte súbita de Arthur, neto do ex-presidente Lula, aos sete anos, comoveu o país e desatou a ira das bestas feras da internet. Em pleno sábado de carnaval morre Alfredinho, o legendário dono do bar Bip Bip, na Rua Almirante Gonçalves, em Copacabana.
Sobre os inimigos de Lula e do Brasil, que despejaram as mais infames declarações de ódio e falta de humanidade nas redes sociais, só me resta desprezá-los e dizer que são indignos da condição de seres humanos. Manifesto aqui minha solidariedade ao avô Lula e à sua família.
E as desgraças só vão aumentando: Brumadinho; os meninos mortos no Flamengo; o irmão que foi enterrado sem que Lula pudesse velar seu corpo; assassinatos nos morros do Rio atribuídos às milícias e o silêncio do Ministério Público nos casos de corrupção da familia Bolsonaro.
A morte de Alfredinho, aos 75 anos, ocorrida neste sábado de carnaval (2/3) pegou todo mundo de surpresa. Para quem nunca ouviu falar dele não sabe o que perdemos, o Brasil e o Rio de Janeiro. Era um anjo protetor do samba e defensor da solidariedade em seu estado mais puro. Alfredinho era um comunista coerente, praticava o que pensava.
Seu bar, reduto de sambistas consagrados e aprendizes, era também um lugar onde se recolhia donativos para os mais carentes, tudo de uma forma discreta, sem autopromoção. Alfredinho não tinha garçons, os frequentadores iam à geladeira, pegavam o que queriam e pagavam na saída. O dono do bar anotava tudo em seu caderninho. O caixa era umas cumbuquinhas cheias de dinheiro. Ele não aceitava cartões de crédito, pois era contra o sistema financeiro do mundo capitalista.
Há mais de meio-século, Alfredinho, amigo dos Buarque de Holanda, era agitador cultural e político. No ano passado, um agente da Polícia Rodoviária aprontou confusão no Bip Bip e Alfredinho foi parar na delegacia de polícia para prestar depoimento em plena madrugada. Tudo porque o Bip Bip prestava homenagem à vereadora Marielle Franco, brutalmente assassinada no Rio de Janeiro.
Com Alfredinho aprendemos a fazer silêncio quando os músicos tocam, a aplaudir sem fazer barulho e a não chegar perto dele com perfume (ele era alérgico). Ele era enérgico e impunha respeito. Tudo numa boa.
Alfredinho era assim. Solidário, humano, ranzinza, parecia o nosso Urtigão preferido, bom coração. Ele morreu solteiro e sem filhos, mas com centenas de amigos no Rio e no Brasil. Era meu vizinho e sempre tinha uma palavra amiga para analisar o momento político em que vivemos. Sofreu com a derrota de Haddad, pensou até em se mudar para Lisboa e fundar um bar em Alfama, mas não teve tempo. Se estivesse vivo estaria prestando homenagens a Lula e seu neto, com certeza. Vai em paz, velho amigo e comunista.