Angélica Torres -
Receber a notícia da morte de Luiz Carlos Sigmaringa Seixas numa manhã de Natal é dor que extrapola a família dele para as de muitos amigos e de brasileiros que o amavam e o admiravam pela honrada atuação como jovem e generoso advogado de presos políticos durante a ditadura e mais ainda: pela confiança nele depositada pelo ex-presidente Lula, a ponto de virem a se tornar amigos íntimos e uma espécie de seu conselheiro particular, durante os seus dois mandatos na presidência da República.
Tivemos, eu e o jornalista Cristiano Torres, a meia sorte de conseguir entrevistá-lo em maio de 2016 sobre o impeachment de Dilma, então em marcha, para o Jornal Brasil Popular, à época com apenas cinco meses de existência para circulação na periferia do DF. “Meia sorte” porque, embora tenha aceitado nos receber, Sigmaringa não nos deixou anotar suas declarações para publicarmos a matéria. Disse, “falo com vocês porque são meus velhos amigos, mas não quero dar margem à má falação que sei que a imprensa fará em torno de qualquer coisa que eu disser”.
Conheci Luiz aos 13 anos de idade, dentro da casa dos meus pais, amigo de turma que foi do meu também saudoso irmão na juventude e, anos depois, acabei vindo a ser assessora de imprensa da primeira candidatura dele para deputado federal, então, pelo PMDB. Foi por esse histórico que ele aceitou sem maiores problemas nos falar sobre o grave e atarantado momento, embora com explícita censura. No entanto, à revelia de sua proibição, escrevi a matéria, do contrário esqueceria o que nos tinha contado, e mandei para ele, numa última tentativa de obter o consentimento.
Qual o quê. Levei foi uma bronca, daquelas de irmão contrariado, em tom de “alta estimulação”, como se diz no jargão jornalístico. Por telefone esbravejou: “Você não pode me trair! Te pedi pra não publicar! Além do mais, você afirma coisas que eu não disse! Nunca fui amigo do Fux! Pelo amor de Deus, não avacalhe com meu nome e minha história”, falou, me fazendo rir. É claro que eu não iria traí-lo, era apenas um teste ao humor dele, dois ou três dias depois do nosso encontro.
Agora, nesse momento de tristeza, ponderei que não há mais porque deixar guardado o depoimento, que pode ter sido um dos últimos dele dado à imprensa. Seu irmão José Carlos, meu colega de faculdade e também amigo, que sabia do episódio, nos deu a permissão de publicá-la, o que fazemos como homenagem à sua memória, até porque é uma prova inconteste de sua boa fé na Justiça brasileira.
Ao fazer um prognóstico do que iria acontecer no quadro político de pernas para o ar, mesmo com toda a sua experiência jurídica sedimentada na ditadura militar, Sigmaringa não acreditava que Lula terminaria sendo preso por Sérgio Moro, como afirmou na entrevista. Aliás, tão longe e tão perto dos familiares de Sig, Lula certamente é o que mais estará sofrendo hoje a perda do grande amigo. (A seguir, a matéria original da entrevista.)
Sigmaringa Seixas: “Dilma não quer voltar a governar”
Conselheiro jurídico de Lula diz que o horizonte próximo é nebuloso
Brasília, 18.06.2016 - Ex-deputado federal pelo DF e deputado constituinte, conselheiro jurídico e amigo pessoal do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, o advogado Luiz Carlos Sigmaringa Seixas é tido por suas posições moderadas como uma pessoa de confiança dentro do governo, onde mantém até hoje amplo trânsito em diferentes partidos.Sigmaringa cultiva amizades com políticos que vão de Dilma Roussef e José Dirceu a José Serra e Michel Temer, e com magistrados como Luís Roberto Barroso e vários outros, do STF.
Reservado e avesso à imprensa, foi preciso insistir para que aceitasse conversar com os jornalistas Cristiano Torres e Angélica Torres Lima – mas não nos deixou gravar nem anotar a entrevista. Conta que a assessoria do ex-presidente o proíbe de falar à mídia, porém, após deixar escapar um impropério, exclamou: “Ora, falo se eu quiser!” Bem, não temos a memória de um Castelinho, mas registramos alguma coisa do bate-papo, que durou hora e meia, regado a café e água, em seu escritório de advocacia, em Brasília.
Sigmaringa começou dizendo, “se a Lava-Jato segue adiante, não fica um em pé. É o sistema, é o modus operandi do governo e o ambiente que favorecem. Te oferecem, ‘toma R$ 5 milhões’. Você fala categoricamente, ‘não, eu não quero!’ Mas há os que não resistem. Ulysses Guimarães disse certa vez, ‘os políticos de antes não eram bons, mas os que virão serão ainda piores que os de hoje’”.
Defensor de presos políticos durante a ditadura militar (1964-1985), Sigmaringa Seixas passou pelos três principais partidos brasileiros, começando pelo PMDB, em 1986. Reelegeu-se em 1990 pelo PSDB e em 1994, filiou-se ao PT. Em 1998, foi candidato a vice-governador na chapa de Cristovam Buarque, derrotada pela dupla Joaquim Roriz e Benedito Domingues. Reeleito deputado federal em 2002, ficou na suplência na eleição seguinte.
Ele conta: “Eu, Conceição Tavares e outros éramos do MUP –Movimento de Unidade Progressista, dissidência do PMDB, cujos membros integrariam o então futuro PSDB. Fui o último a abandonar o barco. Quando falaram em convidar o (José Roberto) Arruda, aí não deu mais. Fui então para o PT, mas nunca fui militante. Pela minha atuação jurídica como parlamentar, acabei me tornando advogado de Lula. Ficamos amigos. Ele hoje me liga dando bronca (imita a rouquidão de Lula), ‘ô Sig, pô, você não vem mais me visitar? Tá com medo de ser preso?’”.
Crise política ou golpe?? - Sigmaringa não considera o impeachment de Dilma Rousseff como golpe. “Não vou fazer o papel dos ‘fora, Temer’. É uma crise política, não se pode chamar de golpe. O comando estava equivocado, foram cometidos erros, a presidente se fechava em teimosia, não fazia concessões, não queria e não gostava de negociar. Passou a ser odiada e essa postura gerou o enfrentamento. Não era um problema de ordem econômica e sim política. Claro que podiam esperá-la cumprir o mandato, mas, no terreno da política, esse é um pensamento ingênuo. O certo seria ela, em um gesto de grandeza, renunciar e levar o vice a sair junto, para se fazerem novas eleições e o impasse poder ser resolvido”, pondera.
Lembra que Lula queria para seu sucessor Eduardo Campos, “que Dilma odiava. Ele tinha preparo intelectual e político, era considerado pronto para o cargo. Seria a passagem do governo PT para o PSB, outro de centro-esquerda, porque o ex-presidente não assediava Campos para o Partido dos Trabalhadores”, revela. Sigmaringa não é leitor da mídia alternativa, não frequenta redes sociais e pouco usa a tecnologia virtual. Portanto, não conecta informações internacionais da esfera geopolítica que dão pistas de sinistras conspirações imperialistas em torno da queda do avião que matou Eduardo Campos.
Também não olha por esse mesmo ângulo a crise na Petrobras, com Sérgio Moro à frente da Lava-Jato, no estilo Gene Sharp de operar, favorecendo o império norte-americano e o grande capital. Mas assistiu e se admirou com o documentário O Dia que durou 21 anos, de Camilo Galli Tavares (filho de Flávio Tavares, ex-militante da luta armada), sobre os bastidores da ditadura militar no Brasil, com base em documentos secretos que foram liberados pelo governo Obama, meio século depois.
O consultor jurídico de Lula confessa achar o momento confuso, com as diversas atitudes e condutas juridicamente equivocadas do governo interino de Michel Temer. “A presunção do domínio do fato colocou Sérgio Moro acima do STF, que morre de medo da mídia e da Polícia Federal. A condenação de José Dirceu pela ministra Rosa Weber foi a primeira ação do domínio do fato (“Não tenho prova cabal contra José Dirceu, mas vou condená-lo porque a literatura jurídica me permite”, declarou Rosa Weber), e foi o Moro quem a instruiu no processo. O erro vem desse início, quando permitiram tanto poder ao juiz paranaense. Daí em diante, virou esse vale-tudo em que o país se vê hoje”, avalia.
Sigmaringa Seixas esquiva-se de dizer que Lula, embora já com a saúde estável, pode sair candidato a presidente em 2018, e afirma que ninguém sabe o que vai acontecer no horizonte próximo. “Não há uma liderança sequer no cenário, o futuro é sombrio e misterioso, com a crise nos países europeus e essa decadência moral no Congresso brasileiro”.
Diz que o PSDB quer o trono, mas acredita que FHC não tem idade mais para assumi-lo. É de opinião que Dilma não quer voltar a governar. “E nem seria bom que volte; ela vai se sair bem, como vítima”, prevê. “Lula não será preso, mas incriminado por Moro como chefe de quadrilha. É como irão condená-lo. Depois vão absolvê-lo”, vaticina.