Angélica Torres –
Todo poeta passa do momento crucial de dar um basta na disciplina de só acumular poemas para o de juntar energia e se inaugurar publicamente como tal, estando ou não maduro para tanto. Maria Maia, cineasta e artista plástica acreana-brasiliense, vive em 2018 essa fase feliz: lançou há menos de dois meses Desejante, seu primeiro livro, constituído de poemas mais recentes, e na próxima terça, 20/11, a partir das 18h, lança no Beirute (109 Sul - Brasília), Quase toda poesia, reunindo cerca de 300 poemas produzidos nos últimos 42 anos.
O projeto na verdade vinha sendo gestado desde 2010 e só se tornou viável pelo patrocínio do Fundo de Apoio à Cultura (FAC-DF). Maria Maia poderia ter produzido vários livros, com tantos poemas escritos em quatro décadas. Mas preferiu se colocar em dia com a vasta produção, juntando todos em um só e distribuindo os poemas em onze blocos – “Metafísicos e Concretos”; “Poemas Amigos”; “Poemas Brasílicos”; “Outros Cantos”; “Quase Hai Cais”; “Doídos”; “Amoráveis”; “Elementais”; “Poética”; “Queridos” e “Confessionais”.
Neles estão presentes, em conteúdo e forma, a intimidade com que ela trama suas palavras e a sensibilidade e delicadeza com que se conduz na vida. E a poeta não esconde a influência que os irmãos Campos exerceram em sua formação literária – Haroldo com suas esplêndidas traduções viabilizando um universo de conhecimentos e a poesia de Augusto a tocando especialmente e estimulando o seu próprio pendor para versejar.
“Saí em busca desse manancial que eles dois nos ofereceram, e como poeta procurei o ritmo, mais que a rima, nos meus versos”, tendência que, aliás, deu a ela outra vertente de trabalho ̶ a de poeta-letrista de canções em parceria com amigos músicos. Amplamente reconhecida pela excelência de suas performances, Maria Maia promete recitar alguns poemas no lançamento e também convidar amigos a se juntarem a ela no sarau. (Abaixo, a capa do livro, desenhada pela própria Maria Maia)
Engajamento - “A poesia precisa resgatar a oralidade, ser transmitida em praça pública e nos dar alento pra lutar pela humanidade, instaurar a conexão e a compaixão com os que nada têm, nem mesmo forças pra lutar, porque, mesmo na barbárie é necessário haver resistência”, assevera Maria Maia. Ela enfatiza que o pior exílio é o cumprido na própria pátria, mas lembra que a poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen passou o salazarismo na resistência e sobreviveu. “O exemplo dela me interessa”, afirma.
Maria recorda os muitos movimentos poéticos que Brasília manteve nos anos 1990, quando, ressalta, durante o governo de FHC, se vivia mal no país – “o povo nordestino comia palma ralada como cuscuz e não dispunha de água”. Agora, continua ela, quando o fascismo se instaura com vigor, é preciso fazer ainda mais poesia, gerar a arte, a esperança e levá-las aos espaços públicos. “Isso porque, entre os humanos, que devemos pôr para frente, há também os inumanos, que só se interessam por destruições. Fascistas vivem numa falta sem fundo, nada supre sua pobreza de espírito”, analisa.
Apesar do discurso progressista de Maria Maia, o leitor não vai encontrar em Quase Toda Poesia um bloco inteiramente dedicado ao tema. Há alguns poemas de teor sociopolítico distribuídos pelo livro e são esses, por sinal, os que mais motivam a leitura apaixonada da poeta, como Dossel Brasília, no qual está o seguinte trecho:
(...) Os funcionários, bancários e atendentes/ os balconistas, sapateiros, professores e serventes/ os cantores, diaristas e estudantes/ desempregados, famintos, atores e o povo em geral / assistem atônitos ao frenesi das lacraias e dos lacaios do capital/ que sem dó nem pena transformam o Brasil em nação guabiru (...). E como em “Quarto e Sala”: No quarto/sonho paz/ sonho pão/ sonho terra. Na sala/ admirável mundo novo que a tela descerra:/ nova dor, nova fome, nova guerra.
Palavras de artistas - O livro é apresentado/prefaciado por Ana Miranda, que inicia o texto cantando a beleza da poeta: “Maria Maia é tão linda! Primeiro vejamos o semblante: a delicadeza. Ela lembra uma libélula, uma porcelana, algo assim (...)” e pelo cineasta e professor João Lanari, que compara o sopro da poeta ao da respiração de João Gilberto: (...) “Os poemas da Maria também respiram, impressos na folha branca, por abstração (...)”.
O poeta Chico Alvim a brinda com um poema de sua lavra: Maria Maia existe?/ Que dúvida mais insólita/ Pois você não a vê ali?/ É que quando você lê/ os poemas dela ou ouve/quando ela os diz/sobretudo aqueles em que / ela excede a si/ (quando desnasce e nasce)/ é a poesia que está dizendo / eu é que existo nela/ eu é que estou ali.
E o artista, fotógrafo e músico da extinta banda Marciano Sodomita, Rogério Maldonado, a homenageia não menos carinhosamente, assim: “Maria é traço, é cor, palavra, som, imagem, luz e movimento. Uma florzinha do Norte que adotou o Cerrado. Tal qual as flores daqui, é pequena, tem aparência delicada e a incrível força de resistir, renascer, crescer e florescer, após o longo período da seca”.
Serviço:
Lançamento do livro: QUASE TODA POESIA – De Maria Maia (Imagem no Ar Edições, 2018 – 312 páginas).
Lançamento: Dia 20 de novembro, terça-feira, a partir das 18h.
Local: Bar Beirute (Quadra 109 Sul), Brasília.
Preço: R$ 20,00
Projeto gráfico: Wagner Hermusche.
(*) São da autora a ilustração da capa e as iluminuras no pé de cada página.