Maria Lúcia Verdi -
Dia 28/3, às 19h30, evento com exposição e debate no Espaço ASHRAM, que fica no Lago Norte: SHIN CA 5, Lote G, Loja 5. Faça sua reserva pelo telefone (61) 98180-4044.
Quando houve o golpe de 64 já existia, no Brasil, um teatro renovador. Após 64 os grupos Opinião, Arena e Oficina apresentaram encenações inesquecíveis, foram focos de resistência e criatividade sem par frente à censura e a um estado de exceção.
Grandes autores, grandes diretores, grandes atores nos proporcionaram momentos estéticos, nos fizeram respirar em um período amargo. Um período que a Comissão da Verdade buscou esclarecer para que não se repita.
Na Argentina a ditadura, bem mais breve, começou em 1976 e foi infinitamente pior - trinta mil desaparecidos, um milhão de exilados e uma guerra dolorosa, montada pelos militares para adiar o fim de um regime fascista que se encerrou em 1983. Não por acaso penso na intervenção militar no Rio de Janeiro, decidida num momento em que o governo precisava distrair-nos da questão da reforma da Previdência. Guerras de distintos tipos, estratégias semelhantes.
Em julho de 1981, em Buenos Aires, teve início, entre o pessoal de teatro, um movimento que marcou época, considerado praticamente um mito, o Teatro Abierto, apoiado por personalidades como Adolfo Pérez Esquivel (Premio Nobel da Paz) e Ernesto Sábato.
Após as primeiras apresentações em 81, o Teatro Picadero foi queimado pela repressão. O movimento teve três Ciclos (81-82-83) e finalmente todas as breves peças - então escritas e encenadas para a circunstância que vivia aquele país - foram publicadas em 2016.
Existe o documentário “Teatro aberto, país cerrado” e o impecável registro fotográfico das apresentações feitas pela fotógrafa Julie Weisz, judia de descendência húngara. O trabalho fotográfico feito por Julie modificou o olhar que se tinha sobre a fotografia de teatro.
No momento, Julie está em Brasília e vai apresentar uma seleção de imagens no espaço ASHRAM, dia 28/3, dialogando com os fotógrafos Olivier Boëls e João Paulo Barbosa, que também projetarão suas fotos.
Olivier Böels, com um olhar antropológico, registra, sobretudo, a riqueza e a diversidade do ser humano em distintas sociedades; João Paulo Barbosa, historiador, olha mais detidamente para o cenário natural onde a História se desenvolve: sua obra é um estandarte que nasce em Brasília num milênio de luta pela sobrevivência do meio ambiente.
Encontrar os três artistas será uma boa ocasião para conversar sobre o papel da arte na resistência.
Julie foi em busca de suas origens húngaras registrando cenas e rostos da Europa do Leste; fotografou o cotidiano das mulheres indígenas de Formosa (“Identidad feminina em uma minoria étnica”, mostra); observou-se a si mesma com a câmera (aliada a inevitáveis temperos de psicanálise) em seus “Autoretratos circulares”; fotografou a surpreendente China e suas mulheres com um só filho; a dor e a delicadeza do corpo fragilizado (“Terapia Intensiva”, livro), bem como detalhes da natureza do Cone Sul em “Los paisajes inciertos”.
Além de dar cursos de fotografia no Centro Cultural Ricardo Rojas, da Universidade de Buenos Aires, e em seu estúdio, Julie fez cerâmica e pintura. Atualmente está por expor seu último trabalho: série de colagens a ser curada pelo renomado desenhista argentino Eduardo Stupia.
O trabalho que desenvolveu junto ao Teatro Abierto tem o mérito ímpar de ter documentado, em fotos B&N, um momento histórico que se espera não se repita, como diz a consigna NUNCA MÁS, que vemos por tantos lugares, publicações e grafites da capital argentina.
Belas fotos de atores e obras comprometidas com a luta, com a liberdade, enfrentando a censura perigosa de um Estado genocida. Naqueles anos oitenta, a partir do que provocara o Teatro Abierto dando voz aos argentinos de então, violentamente silenciados, a palavra “aberto” passou a ser agregada a movimentos de outras áreas: Música Abierta, Danza Abierta etc...
Ao longo da História a arte tem sido discurso alternativo ao do poder, ato de sobrevivência, resistência ao discurso único, aprofundamento de ideias e fantasias necessárias ao sujeito individualmente e à sociedade.
Manifestação da sensibilidade, da percepção e da inteligência do mundo – seja o que for a Arte precisa ser aberta, sem fronteiras. Julie Weisz, Olivier Boëls e João Paulo Barbosa dão testemunho de como é possível criar bandeiras não sectárias, de como se pode falar sem precisar usar a palavra, tão mal empregada em nosso tempo, à disposição de qualquer retórica, tão longe da transparência de uma imagem fotográfica.
O Espaço ASHRAM fica no Lago Norte: SHIN CA 5, LOTE G, LOJA 5. Para reservar lugares, ligue: Tel.: (61) 981804044.