"A vida é de quem se atreve a viver".


Clarice Lispector: “Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver"
Jardim Botânico do Rio - o mesmo que é sempre novo

Maria Lúcia Verdi -

Eu ia ao Jardim Botânico para quê? Só para olhar. Só para ver. Só para sentir. Só para viver. [...] Lá a vida verde era larga. Eu não via ali nenhuma avareza: tudo se dava por inteiro ao vento, no ar, à vida, tudo se erguia em direção ao céu. E mais: dava também o seu mistério.” (Clarice Lispector)

Volto  mais uma vez ao Jardim Botânico. Nunca me canso do mesmo que há por lá. Paro frente ao reflexo da foto de Jobim no vidro - sua letra, seu amor por um espaço do Rio que se mantém como oásis numa cidade que tenta, com enorme dificuldade, resistir à devastação que já acabou com o Estado.


No espaço Tom Jobim a Sumaúma, a maior árvore da Amazônia ali, na nossa frente - espanto que se repete frente a essa alucinada vontade de céu. Em alguns bancos, que formam o Espaço Clarice Lispector, frases de sua crônica “O ato gratuito”, a fuga vespertina para o Jardim que a liberava. Sinfonia de árvores e plantas do planeta. Transfigurações.


A força do Pau-Brasil, a primeira riqueza expatriada. Os nomes dos que plantaram as árvores resistindo no metal. Dom João VI, silencioso, protegido da vida lá de fora, talvez intua o que o tempo fez com a cidade – afinal, as pessoas falam e falam das mazelas da cidade, do estado, do país, do mundo e.... quem sabe afirmar o limite da escuta?


Finalizada a restauração das obras de Mestre Valentim, Eco, Narciso e as Aves Pernaltas agora dispõem de um melhor espaço. As aves pernaltas como as que vi na China, sobretudo as da Cidade Proibida. Ecos, repetições, correspondências, reencontros - matérias da vida. Por todos os lados reflexos, desdobramentos, continuidades, quedas do olhar em um outro tempo.


Na janela do casarão colonial, a montanha refletida – a beleza do que enquadro e a tristeza da situação das ex-colônias. Respiro, tento apenas olhar.


As Ninfeias, possíveis parentes dos Lótus orientais, parecem mais frágeis, mas tem a mesma explosão de cor, em frente a elas as Vitórias-Régias. Os bambus também ecoam a Ásia - o som dos bambus com o vento, as curvaturas de que são capazes. Como aprendi, um mundo pode ser construído com bambus, resistentes e flexíveis como deveríamos ser. A Ásia que enviou, a pedido de Dom João, 51 chineses para que tivéssemos aqui a delicadeza do chá. Aqui, no Brasil distante, o mesmo sofrimento do trabalho semiescravo.


O desenho da árvore como torre contra o céu. Vontade de céu nas pequenas esculturas vegetais como miniaturas de montanhas - o mínimo e o máximo, em cada um, um vôo. Como são possíveis, meu deus\Deus, tais formações, tais delicadezas?


Mas no Jardim também há sugestões de queda, entradas para algum Hades vegetal. A minha mente não mente. Às vezes peço que minta, mas ela é firme. Detalhista, me olha, esparrama o olhar e me diz: respira.


Nas manchas dos troncos, abstrações e devaneios. Nas formações das lianas, nas geometrias de certos galhos, esculturas contemporâneas, ecos de Tunga. Naquilo que cai pelo chão, inesperadas composições, instalações naturais.

No Jardim Botânico se congela por um pouco a angústia do tempo, do tempo em que vivemos. Precisamos deste pouco.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos