"A vida é de quem se atreve a viver".


Maria Kodama fala na UnB sem a magia de Borges
O não-encontro com a viúva de Borges na UnB

Maria Lúcia Verdi -

Maria Kodama, viúva de Jorge Luís Borges, apresentou quarta-feira (19/4), na UnB, para um auditório lotado e expectante, um ótimo paper acadêmico sobre a questão do Eu e do Outro, do Eu e seu Duplo na obra do grande argentino.

Perdeu, no entanto, a oportunidade de trazer ao público alguma reflexão, alguma informação, alguma lembrança que não poderiam ser encontradas online ou nas incontáveis obras que estudaram, em todo o mundo, a produção de seu ex-marido, professor e parceiro. Não creio que tal “perda” a preocupe...

Desconhecerá Kodama a Estética da Recepção ou não lhe importava qualquer interação com o momento presente, estar em Brasília pela primeira vez, ver auditório sedento à sua frente, inaugurando o programa dedicado a grandes 8 da Literatura Latino Americana?

Lendo o texto como para si mesma, levantando a cabeça uma única vez para sintetizar o enredo do “El cautivo”, com uma dicção difícil, foi pouquíssimo compreendida pela plateia.

Um texto que não abria facilmente brechas para perguntas, uma atitude que nada convidava a comentários.

Na fala introdutória, a Diretora do Instituto de Letras havia remarcado - curiosamente, pois me parece dever ser a Universidade espaço necessariamente crítico à nossa “sociedade do espetáculo” - a vocação da Universidade para os grandes espetáculos, prevendo aquela noite como um deles.

O Vice-Reitor havia mencionado em sua fala, por cinco ou seis vezes, a “mágica” a “magia” daquela noite devido à presença de Kodama entre nós.

Nem espetáculo nem magia - algo distante, correto, fechado.

Me pergunto o quanto da atitude de Kodama naquela noite nada mágica se deverá a um possível temor de eventualmente ser colocada frente a perguntas desagradáveis.

Maria Kodama criou uma questão internacional entre Argentina e França ao negar-se a autorizar a Editora Pléiade a reeditar os dois volumes elogiadíssimos das Obras Completas de Borges, publicados em 1993 e 1999, com tradução e Notas de Jean Pierre Bernès, amigo de Borges que com ele trabalhou durante seis meses no projeto.

Os supostos motivos são dois: um erro na menção da data de seu primeiro encontro com Borges enquanto uma menininha (Bernès teria mencionado uma data posterior) e, o que parece mais razoável, um ciúme desmedido do tradutor, que detêm as vinte fitas gravadas das conversas com Borges.

Kodama teve várias ações na justiça contra Bernès e outro estudioso argentino, tendo perdido todas.

É detestada pela maioria da intelectualidade argentina que a considera desrespeitosa em relação à obra do escritor, agindo como se fosse sua proprietária – e não a Humanidade – e não apenas sua herdeira.

Em 1983 tive a alegria de escutar Borges em Buenos Aires, três anos antes de sua morte, ao término de um curso sobre literatura argentina.

Tive a incrível ocasião de dirigir uma (balbuciante, quase muda) pergunta a um Borges elegante, gentilíssimo, delicado com o interlocutor, pleno de sutilíssimo humor, talvez também por isto muito me espantou a atitude da Presidente da Fundação Jorge Luís Borges.

Borges, creio, teria, creio, lamentado este não-encontro de sua ex com os brasilienses, ele, que tanto amava o Brasil e sua ascendência portuguesa.

Seria a origem japonesa de Kodama (por parte de pai) a responsável por tal, digamos, discretíssima performance? Não sei.

O que me incomodou foi termos perdido a ocasião de - quem sabe - ouvir algo mais, algum detalhe mínimo que fosse além do que já lemos, já estudamos, algo que nos fizesse sentir, pensar: Ah! É por isso que Borges se casou com ela...

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