"A vida é de quem se atreve a viver".


Hugo Rodas é uma das estrelas do -metragem "Acaso" (Fotos: Ana Cristina Campos)
A Poética do a\Acaso

Maria Lucia Verdi –

Foi selecionado entre 151 longas-metragens, um de seis, o Acaso, instigante filme brasiliense dirigido por Luiz Jungmann Girafa, arquiteto, artista plástico e fotógrafo, diretor de dois curtas-metragens. Há cinco anos Girafa nos chamou para uma reunião na qual ele expôs sua ideia: personagens caminham por uma rua, numa cidade que só identifica quem conhece, uma cidade qualquer, cada um deles com sua questão, sua loucura, sua condição.

O cenário de ENIGMA (posteriormente ACASO) seria a W3, com sua decadência e seus grafites, sem o emblemático céu de Brasília, espaço que Girafa fotografa obsessivamente há décadas.

O filme não teria script, nem verba e cachê, um filme entre amigos, um filme que contasse breves histórias, oportuno num momento em que narrar histórias de vida é tão importante. O diretor confiaria na sua intuição e na bagagem de todos, que improvisariam a fala dos personagens que criassem.

Cinco anos depois, comemoramos a seleção para o 54º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e vimos o filme juntos. Alegria e emoção positiva tem faltado, foi uma catarse. Brindamos por uma aventura bem-sucedida, um filme originalíssimo, composto por fragmentos, onde cada take é uma beleza e cada ator celebra a arte de interpretar livremente.

Os atores são a nata do teatro, cinema e da música brasiliense, sendo o saudoso Andrade Júnior, os incríveis Hugo Rodas e João Antônio as estrelas mais antigas. Mas além deles estão Bidô Galvão, Celso Araújo, Carmen Moretzsohn, Kuka Escosteguy, Luciano Porto, Renato Matos, Gaivota Naves, Suyan de Mattos, Jorge Du Pan, Rachel Mendes, Emanuel Lavor, Walter Colton, Clara Luz, Valéria Pena-Costa e Eliana Carneiro e Jorge Crespo em participação especial - todas e todos com atuações marcantes.

Fui convidada para escrever um texto poético sobre um filme imaginário e quando, após o filme editado, burilei o texto e propus ao Diretor que substituísse o texto (que se escuta em off), ele negou, dizendo que um dos méritos do texto era ter sido feito sem que se conhecesse o produto final, uma estética que norteia a poética do a\Acaso. Escrevi textos para alguns dos personagens, mas o material foi incorporado e transformado por cada um dos atores e todas as falas improvisadas, com exceção de algumas das ditas por Luciano Porto.

O produto final é um filme provocador, comovedor e divertido, que resultou num caleidoscópio de temas atuais, trazidos por personagens que retratam seres banais, que vemos ao nosso entorno, numa W3-Estrada da vida, com seus desafios e contrastes.

Nos cenários escolhidos criteriosamente pelo olhar do Diretor, de Ana Cristina Campos, produtora e Diretora de Fotografia e da artista Valéria Pena-Costa, se desenvolvem cenas criadas a partir de um esboço, com exceção do personagem de Celso Araújo, que traz textos seus consolidados e faz um contraponto teatral às atuações dos demais.

Um filme onde a Fotografia é protagonista maior, a começar pelas fotografias de cena de Márcio Borsoi que acompanham os créditos iniciais, e pelas dos créditos finais, feitas por José Roberto Basul e Rinaldo Morelli. A beleza possível na decadência, a graça da arte de rua, as estruturas geométricas recortadas, “anti ícone da modernidade”, nas palavras do produtor Renato Cunha, são palco inusitado (e perfeito) para as histórias que compõem o filme. São primorosas a montagem de Juana Salama e a trilha sonora de André Luiz Oliveira e Zepedro Gollo.

 “A continuidade das ideias\ é o fluir da centelha”, diz a música que encerra esse filme cheio de ideias, que até me parece colocar em causa o que é o cinema, para onde vai o cinema. Com uma poética muito própria, muito brasiliense no que Brasília tem de louca e racional, de decadente e futurista, de mística e política. Como um enigma, título inicial de Acaso, o filme deixa fluir os acasos e se faz filme, filme que traz uma proposta diversa frente ao que se vê na produção nacional.

Acaso nasceu despretensioso e termina sendo intenso e representativo desses últimos anos. Não há tema contemporâneo que não seja tratado, com exceção das trágicas mazelas da eleição do não-presidente e da pandemia, pois foi filmado há cinco anos. E o tratamento desses temas sérios – exclusão, solidão, loucura – é feito a partir de micronarrativas inspiradas, que revelam o que se sabe e tantas vezes se esquece: a vida é feita de contrastes e paradoxos e o melhor que podemos fazer é não a levar a sério demais, como há muito ensinam os mestres Zen.

Acompanhe a programação completa aqui:

https://festcinebrasilia.com.br/programacao/

 

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