Maria Lúcia Verdi –
Acabo de ouvir a live da amiga e professora Lourdes Teodoro sobre Identidades africanas nas artes. Ontem, dia 25 de maio, Dia da África, desde 1963, dia daquele continente esplendoroso, daquele inconsciente do mundo, do qual desconhecemos a impressionante diversidade étnica e cultural, cada país, cada cultura um mundo.
Visitei apenas um país, a Costa do Marfim, Abdijan, porém num contexto em que toda a diversidade africana estava exposta, durante a semana do Mercado das Artes e dos Espetáculos Africanos, que era realizado todo ano, se não me engano em maio; o ano deve ter sido 1997 ou 98. Fui representar o Brasil, na condição de Diretora de Pesquisas e Projetos da Fundação Cultural Palmares, então sob a diretoria de Dulce Pereira (de quem eu também era Vice-Diretora, a branca, para simbolizar o necessário diálogo), anos em que tive a honra de participar das primeiras lutas pela delimitação das terras quilombolas.
Durante uma semana, artistas autóctones, dançarinos, cantores, atores de todo o continente se apresentavam para os empresários do Norte do mundo que os levariam para os países dos colonizadores, para que algo de uma realidade desconhecida viesse a ser vista por plateias brancas e curiosas.
De todos os artistas, talvez tenha sido um celebrado griot o que mais me fascinou. Um homem já passado dos sessenta contava a história, acompanhado de dois percussionistas, e interpretava os papéis de todos os personagens, da menina de seis anos à mulher de cinquenta, ao velho de noventa, ao jovem de 20, era fascinante escutá-lo, em francês, narrar aquela lenda e vê-lo trazer vida a todos os personagens.
As cores da natureza e as cores das roupas e das casas, a ondulação das mulheres caminhando, os sorrisos de todos, aqueles dentes branquíssimos iluminando a pele negra, o tamanho dos lagartos coloridos que me assustavam, a simpatia dos vendedores do mercado com quem tomei muitos chás e discuti preços, a comida saborosa, o vento nas árvores e a praia lembrando-me o Brasil - tudo era um festival de alegrias em si, acrescido do maravilhamento com os artistas africanos que se apresentavam de manhã à noite.
No espetáculo de encerramento, a surpresa maior: Miriam Makeba!. Sentada entre os convidados, num palanque, fugi do controle do simpático rapaz que nos ciceroneava e me infiltrei no centro do estádio, entre um mar negro enlouquecido, dançando com eles. O guia desistiu de me advertir com um “É perigoso, senhora.” Eu vinha do Brasil e de perigos temos alguma experiência, o perigo daquele estádio parecia ser apenas o de eu perder a cabeça numa epifania gloriosa.
No dia de hoje, volto a olhar as máscaras e as esculturas que trouxe de lá e a reler um poema escrito a partir do relato de franceses que conheci na ocasião. O poema relata uma história real, triste e bela, homens e mulheres que se ofereciam aos estrangeiros com a delicada e dolorosamente irônica chamada: C´est l´amour qui bat! (É o amor que bate). E tantos abriam as portas, necessitados que somos, todos, dessa ideia.
Saúdo o continente africano, compartilho o poema e espero, como tantos, que as vacinas que estão sobrando para alguns países cheguem logo por lá, pois por lá deve estar pior do que aqui, apenas não se sabe exatamente, como nunca se soube exatamente a história dos países africanos, as questões colocadas pela diáspora, assim como não se quer saber exatamente a situação dos afrodescendentes pelo mundo afora.
Desejo
Na África ocidental, contaram-me uns amigos
a uma certa hora da tarde
depois do almoço
durante o calor
homens e mulheres do povo, pobres,
tantas vezes sujos
batem às portas das casas onde repousam
homens e mulheres estrangeiros
que durante o durante o dia se aproximam
daquele povo belo, exótico
Se aproximam do que seria a vida daquela gente,
estudam-na, trabalham, talvez, por ela,
fotografam-na
Àquela hora da tarde
com o silêncio africano que desconheço e imagino inquietante, prenhe
homens e mulheres daquele povo batem às portas estrangeiras
suavemente, com os pés nus, e dizem
C´est l´amour qui bat