"A vida é de quem se atreve a viver".


Sandra Crespo:"Vou voltar... para a minha casa, pra minha praia: o Inferno. Quantas saudades!  O Brasil é um inferno lindíssimo".
Brasil, éden infernal

Sandra Crespo -

Quando voltarmos ao Brasil, no próximo dia 20, teremos completado sessenta e seis dias fora de casa.

Nesse tempo longe, eu tentei fugir de todo o absurdo que tomou conta do meu país desde que as pessoas enlouqueceram - ao acreditar piamente nas mentiras diuturnas da Globo e nas mamadeiras de piroca.

O problema é que descobri muito tarde que é impossível fugir. A gente sai do Brasil, mas a porra do Brasil não nos larga; parece uma morrinha que agarra na pele. A gente fala em outras línguas, come outras comidas, toma vinho bom... e usa chuveiro de telefone hehehe... mas a morrinha persiste, parece um cecê!

A gente pensa que toma distância, mas a toda hora vê o Brasil lá, gritando na outra ponta da Place de République, da Puerta del Sol, de Gracia. Gritando dentro do peito feito louco por causa do Jean Wyllys, que teve de ir embora depois de tanta vibe ruim. (Jean é o primeiro exilado político de um Brasil que abdica de seus sonhos).

No dia seguinte, vamos curtir: Paris tem neve, ebaaa!... mas, que nada: no meio do caminho, tem uma pedra. Brumadinho é soterrada pela lama tóxica da porra da Vale. Então a gente não consegue pisar na neve, a gente atola. Cadê neve? Cadê Minas? A gente só vê corpos sob lama...

Haja Marais (de quantas revoluções precisamos?); haja metrô rumo à rive gauche, à droite, de cima abaixo, partout...

E nem bem desembarcamos numa estação e trombamos com outra notícia horrível. Lula não poderá se despedir de Vavá, seu irmão, que partiu depois de tanto penar, sofrendo de câncer.

Tenho uma sensação de pesadelo: estou mergulhada num pântano, pernas e braços amarrados em galhos mortos que me impedem de emergir para respirar.

Daí, eu choro tanto. As ruas tão lindas de Paris não me consolam. E não tem Sartre, nem Simone. Nem Victor Hugo, nem Camus, nem Josephine Baker... nem mesmo Monet ou Toulouse Lautrec, ou nenhum outro deus poderoso que eu evoque quando visito essa cidade tão linda. Nenhum deles pode me dar agora nem mesmo uma mãozinha pra seguir sorrindo, e dizendo à vida: soit bienvenue!

À Paris, moi, je dis au revoir tristement.

E volvemos à la España, olé! Aqui, também muita comida buena, muitos queridos, tanto vino... e outras notícias ruins: a polícia, que já mata a rodo, agora pode assassinar à vontade - o juizeco Moro garante! No mais, o Estado laico está morrendo, assim como o humanismo. Até na Europa isso acontece debaixo do meu nariz.

Então, o importante mesmo é que meninos vistam azul e meninas continuem vestindo vermelho sangue.

Vou voltar. Sei que ainda vou voltar... para o meu lugar...

Vou voltar... para a minha casa, pra minha praia: o Inferno. Quantas saudades!

O Brasil é um inferno lindíssimo.

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