"A vida é de quem se atreve a viver".


Muita televisão

Sandra Crespo -
 
O rapaz estava sozinho no ponto de ônibus. Comecei a divisá-lo a uns 70 metros, era raro alguém no ponto em frente à Concha Acústica, isso eu já tinha notado nas minhas incipientes caminhadas pelo novo bairro.
 
Mais perto, vi que tinha por volta de 35 anos. Moreno claro, um tipo comum, estatura média, barba rala. Calça jeans e camiseta, não lembro a cor, só sei que era sem mangas, e seu braço forte era bem bronzeado de sol.
 
Levava uma mochila nas costas e uma espécie de cavalete em uma das mãos. De perto, pude ver uma caricatura colorida no cavalete, e deduzi que era um artista plástico das ruas.
 
Com a outra mão, ele sinalizava para os carros, polegar em riste, vibrando no ar. Pedia carona - não acreditei.
 
Dei bom-dia ao me aproximar. Ele respondeu, sorriso amigável, e perguntou, Passa ônibus aqui para a rodoviária do Plano Piloto?
Sim, mas a cada 40 minutos, mais ou menos, eu disse - e não resisti: Hoje em dia ninguém dá mais carona...
 
É, é muita televisão, ele rebateu de bate-pronto, ainda com o sorriso do bom-dia.
 
Eu acenei a cabeça em acordo, meio atônita com o que em seguida classifiquei como um superpoder de síntese. Nem o Veríssimo seria tão rápido no gatilho...
 
E prossegui na caminhada, torcendo para não encontrá-lo na volta, pois terá sido muita espera pelo busu, ele vai demorar pra chegar na rodova do Pp... que dó.
 
Qual o quê... vinte minutos de marcha depois não vi nenhum ônibus passar, e fui voltando, mas também sonhando, Quem sabe estávamos errados e rolou uma carona...
 
Qual o quê, ele lá permanecia de pé, a prancheta agora junto à mochila esparramada no banco de concreto da parada de ônibus. Que é meio avermelhada pela terra do Cerrado.
 
Meio que pedindo desculpas pela demora (do ônibus), eu arrisquei: Transporte público nota zero em Brasília. Ele apenas riu e disse, Valeu, valeu.

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