"A vida é de quem se atreve a viver".


Bagno: "Conhecendo a história monstruosa desse país... talvez se pudesse arriscar uma decifração do acrônimo".
O que tem por trás da sigla BRASIL?

Marcos Bagno -

Se o nome BRASIL fosse uma sigla, o que significaria cada letra?

Conhecendo a história monstruosa desse país, uma história de tragédias que não se conjugam no passado, porque elas se prolongam inalteradas até os dias de hoje, com muita probabilidade de se estenderem por muito tempo ainda, talvez se pudesse arriscar a seguinte decifração do acrônimo.
 
B de “branco”. Não interessa que mais da metade da população seja não-branca nem que o Brasil abrigue a maior população negra fora da África. Não nascer branco por aqui é trazer já desde o primeiro minuto de vida um estigma impossível de ocultar, porque está na própria cor da pele. O Brasil é muito mais do que um país racista: o Brasil é um país genocida.

A juventude negra do sexo masculino é sistematicamente exterminada, todos os dias, em todos os cantos e recantos dessa terra infeliz. É um massacre programado e levado a cabo com uma precisão ainda mais impressionante que a dos campos de concentração nazistas.

Afinal, a Alemanha é muito menor do que o Brasil e, além disso, no período nazista, os judeus, os ciganos, os homossexuais e outras vítimas do regime tinham de ser transportados até os campos de extermínio para lá serem eliminados. Os gastos com o transporte eram consideráveis. Aqui nada disso é preciso.

A execução sumária da população negra se faz no meio da rua, na porta das casas, nas calçadas das lojas, diante dos restaurantes, no estacionamento dos shoppings, à luz do dia ou na calada da noite, com a aprovação cúmplice, silenciosa e covarde de quem acha que não tem nada com isso. É um genocídio também porque a população não-branca é a mais atingida pela miséria, pelas doenças, pela fome, pela violência.

Quanto à mulher negra, ela ocupa o mais baixo patamar da escala social. As mulheres não-brancas constituem um repositório de mão de obra baratíssima para camadas sociais de mentalidade e comportamento escravagistas. E assim como durante mais de trezentos anos, elas ainda são objeto da exploração sexual institucionalizada, estimulada pelo homem branco, que faz questão de ensiná-la a seus filhos para que a tradição não se perca.
 
R de “rentista”. A oligarquia dominante se recusa a ser minimamente moderna, lembrando que, para os historiadores, a “era moderna” termina em 1789, com a Revolução Francesa. Sim, termina em 1789. Os donos de tudo no Brasil nem sequer chegaram lá. Essa oligarquia quer se manter entranhadamente medieval, feudal, não quer investir em nada a não ser no próprio ócio.

Para isso, ela conta com as maiores taxas de juros do mundo, instituídas por ela mesma, é claro. Para que investir na criação de um mercado interno? Para que gerar indústrias, produtividade, emprego e riqueza para todo o país? O capitalismo é um brinquedo perigoso e arriscado, coisa para burgueses, esses revolucionários inconsequentes. Melhor é não fazer nada, abandonar o resto da população à miséria e à ignorância e deixar a fortuna se reproduzir por inércia.

A de “autoritário”. O homem branco rentista não pode exibir outro modo de ser senão o autoritário. O poder é dele, tem sido dele, sempre foi dele, e não há por que contestar. Independência, Abolição, República, eleições diretas, Constituição? Meros jogos de salão, coisas para inglês ver, efeitos de moda que não atingem nem a superfície da estrutura sociopolítica de um país nascido de um dos sistemas coloniais mais violentos e sanguinários da história da humanidade, marcado pelo genocídio sistemático de povos inteiros e pela escravização de milhões de seres humanos durante mais de três séculos.

De vez em quando, o homem branco rentista até brinca de deixar o governo ser exercido por gente de fora de seu clube restrito, mas é bom reparar: o governo, e não o poder. O poder nunca escapou de suas garras, e se for preciso recorrer à tortura, à eliminação física de seus adversários, ao golpe de Estado, ao desrespeito da lei, ele não hesita em momento algum. Não é só uma piada dizer que no Brasil a lei só vale para os três P: preto, pobre e puta.

É uma verdade, um cláusula pétrea da constituição social do país. E agora, claro, acrescenta-se mais um P: petista, termo genérico aplicado imbecilmente a toda e qualquer pessoa que ouse dizer um “a” contra os crimes praticados a todo momento pelos que se cansaram de brincar de democracia e resolveram assumir de vez seu fascismo maldisfarçado.

S de “sexista”. A ONU considera o Brasil o quinto pior país do mundo para se nascer mulher. A cada hora e meia uma mulher é assassinada por aqui. O Brasil é campeão mundial em homicídios de gays, lésbicas e transexuais. Mas isso não tem importância. O importante é nem sequer mencionar a palavra “gênero” nas escolas, porque tem gente de olhos e ouvidos abertos para denunciar e pedir a prisão de quem se atrever a proferir o termo amaldiçoado. E toca a aplaudir o deputado psicopata e os fundamentalistas religiosos que apregoam essas ideias.

I de “iletrismo”. Nada menos do que 75 por cento da população brasileira entre 15 e 64 anos é classificada de analfabeta funcional. Isso equivale às populações da Argentina, da Colômbia e da Venezuela juntas. São pessoas que frequentaram a escola, mas saíram de lá sem as habilidades mínimas de leitura, escrita e cálculo.

Afinal, a escola pública brasileira serve exatamente para reproduzir as desigualdades sociais e econômicas, e isso se faz produzindo... analfabetos funcionais. Como disse Darcy Ribeiro, há exatos quarenta anos: “A crise na educação não é uma crise, é um projeto”. Esse projeto se configurou desde sempre pela explícita manutenção da grande maioria do povo na ignorância, e o atual desgoverno golpista quer aprofundar ainda mais esse abismo colossal.

É claro que a maioria dos analfabetos plenos e funcionais é de gente não-branca. O corpo docente brasileiro é mal formado, ganha (ganha?) salários de miséria, é desprestigiado e desrespeitado dentro e fora de sala de aula. E uma parte significativa das professoras e dos professores, incluindo os de língua portuguesa, têm escasso domínio da leitura e da escrita. Mas isso não tem importância.

O importante é congelar os investimentos em educação por vinte anos, deixar as escolas e as universidades públicas se degradarem, não investir em pesquisa e patrocinar alegremente a privatização do ensino. E espalhar aos sete ventos que Paulo Freire não presta, é um reles comunista, mesmo que seja um dos educadores mais respeitados no mundo todo, mesmo que o país onde suas ideias são mais aplicadas sejam os Estados Unidos.

L de “latifúndio”. Como é que uma oligarquia feudal, branca, autoritária e rentista poderia viver sem o latifúndio? Mais de 40 por cento das grandes propriedades rurais brasileiras são improdutivas, e isso porque os critérios para medir a produtividade ainda são os mesmos estabelecidos em 1975. Mas isso não tem importância.

O importante é promover a execução sumária de líderes camponeses, fazer o Brasil se tornar campeão mundial de assassinatos de ambientalistas, se valer de trabalho escravo e invadir territórios destinados aos povos indígenas, de preferência matando esses indígenas, como fizeram os ancestrais desses mesmos latifundiários desde que puseram o pé nessas terras.

O importante é destruir todos os ecossistemas, um por um, até transformar o país inteiro num enorme deserto estéril. E agora querem permitir que estrangeiros sejam donos de terras aqui, coisa que é rigorosamente proibida pelas maiores e mais importantes nações do planeta.

É isso o que vejo por trás das seis letras do nome BRASIL.

Já pensou se o país se chamasse Turcomenistão ou Liechtenstein?

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