Alexandre Ribondi -
A apresentadora de televisão e atriz norte-americana Oprah Winfrey, já apontada como “uma das maiores pensadoras do capitalismo neoliberal da atualidade” estava de preto quando recebeu o seu prêmio na 75a. festa do Golden Globe, em 7 de janeiro de 2018.
O preto da sua roupa representava a luta contra o assédio masculino e ela aproveitou a oportunidade para falar do surgimento de uma nova era. Muita gente se emocionou e muita gente chegou às lágrimas. Por trás das suas palavras estava também a revista Time que, no final do ano passado, elegeu como “personalidade do ano” todos os rompedores de silêncio sobre a misoginia.
Dois dias depois, o jornal francês Le Monde publicou um manifesto com 100 assinaturas (entre elas, a da atriz Catherine Deneuve) que acusa o feminismo de puritano e incitador de ódio contra os homens. Assinaram também o manifesto (cuja publicação, segundo alguns, já põe em risco a própria imagem do Le Monde) a escritora Abnousse Shalmani, que compara o feminismo ao stalinismo; a filósofa Peggy Sastre, autora do ensaio La domination masculine n’existe pas (A Dominação Masculina Não Existe) e que pretende “eliminar o feminismo”; Sophie de Menthon, empresária, que já disse que “um assovio na rua até que é simpático” e Elisabeth Lévy, jornalista, que denuncia o “assédio das mulheres contra os homens”.
E, agora, o que farão as/os feministas do Brasil, que têm como bíblia o pensamento capitalista neoliberal vindo dos Estados Unidos? - este que, com algumas fórmulas simplistas, prega que, em lugar de revolucionar a sociedade e suas injustiças, o indivíduo deve se adaptar às violências capitalistas e, apesar de tudo, vencer. A própria Oprah Winfrey é um exemplo disso: nascida negra e paupérrima, ela hoje é bilionária, sem ter contribuído para mudar o mundo. Ela ganhou na loteria da vida e, hoje, é um exemplo artificial de que o sonho americano é possível, apesar de estar rodeada de milhares de negros miseráveis. Mas se você sonhar e se tornar uma boa pessoa, você chega lá - só que nunca chega.
Mas para os signatários do manifesto publicado no Le Monde o buraco parece ser mais embaixo. Enquanto os Estados Unidos são uma nação fundada por protestantes conservadores e puritanos (eis aí a palavra), a Europa (e, sobretudo, a França) sempre foi uma encruzilhada e uma esponja de povos e culturas, o que lhe dá uma visão mais cosmopolita e mais madura do mundo.
Desse ponto de vista, é possível compreender o que o manifesto francês quer dizer ao afirmar que estamos provavelmente vivendo um retorno da “moral vitoriana”, que se manifesta através da “febre de denúncias contra os homens”. Isso, segundo as cem mulheres que assinam o manifesto, “não beneficia as mulheres, mas está a serviço dos interesses dos inimigos da liberdade, como os extremistas religiosos”. Na França, eles possivelmente pensaram nos extremistas do Islã, mas no Brasil é bom que se pense nos novos evangélicos e no reacionarismo que existe na Igreja Católica.
As francesas defendem a “liberdade de importunar”. Com isso, querem dizer que não há necessariamente mal em tocar um joelho, tentar dar um beijo, falar coisas íntimas num jantar de negócios ou enviar mensagens com conotações sexuais a uma mulher que não sente atração recíproca.
Na verdade, todos os homens, ao longo de suas vidas, já agiram dessa forma. Mas é em nome dessa retomada da moral e do desconforto com o sexo que pessoas como o ator Kevin Spacey perdeu o seu emprego e que uma mostra da obra do cineasta Roman Polanski em Paris correu o risco de ser proibida.
Mas antes de condená-los por terem cometido ilegalidades e antes de barrar suas criações, as/os feministas (como, de resto, todos nós) devem compreender que as obras costumam ser maiores e mais sublimes que os seus criadores.