"A vida é de quem se atreve a viver".


O velho e bom Almodóvar está de volta

Alexandre Ribondi -
 
Para quem gosta de Pedro Almodóvar, para quem já riu e derramou lágrimas com a Lei do Desejo, Carne Trêmula e Tudo Sobre a Minha Mãe, a notícia é boa: o cineasta espanhol voltou a fazer um filme inesquecível. "Julieta", que está em cartaz no Cine Cultura Liberty Mall, tem a cara, o cheiro e as cores vibrantes que ganharam admiradores em boa parte do mundo.
 
É o vigésimo longa-metragem do diretor, baseado, de maneira mais ou menos vaga, em três contos tirados do livro Runaway, da canadense vencedora do prêmio Nobel de Literatura versão 2004, Alice Munro.
 
Almodóvar chegou a conversar com a atriz norte-americana Meryl Streep que disse sim ao projeto. Mas a idéia não vingou, porque o diretor achou que não conseguiria fazer um filme falado em inglês e acabou por filmar na Espanha, em espanhol.
 
E graças a Deus que assim foi porque o castelhano, com seus "seseos" e sua cadência quase sempre dramática, são acessórios almodovarianos insubstituíveis.
 
E não só isso. Todas as manias e obsessões de Almodóvar estão finalmente de volta. Há as roupas inusitadamente coloridas, os papéis de parede que, incapazes de combinar com o que quer que seja, acabam por combinar com o filme inteiro, e também há os azulejos - e em Julieta, os azulejos que forram as paredes da cozinha da casa das personagens centrais são cópias dos criados pelo artista plástico brasileiro Cândido Portinari para os painéis do Palácio Gustavo Capanema, no centro do Rio de Janeiro. E como se sabe, Almodóvar tem um caso de amor com o Brasil.
 
Tem também a atriz Rossy de Palma, velha companheira do cineasta, que surge madura, sempre portadora de um grandioso e esfuziante nariz. Ela faz as vezes da empregada doméstica da casa de Xuan, um pescador galego (vivido por Daniel Grao).



É ela quem dá o toque de humor à obra, mesmo que seja um humor sinistro e perigoso, como se se tratasse de uma governanta saída de filmes ingleses de suspense. Ou, mais precisamente, do filme Rebecca, de Hitchcock.
 
Duas atrizes interpretam a mesma personagem. As belas Adriana Ugarte ( a mulher quando jovem) e Emma Suárez (a mulher quando madura) vivem uma história que, na verdade, acompanha quatro gerações.
 
Elas são a filha que somente consegue compreender as razões do pai (que ela quase nunca vê) quando se sente julgada e abandonada pela filha que, por sua vez, volta a procurar a mãe quando perde o filho mais velho.
 
Por isso mesmo, o romance de onde saiu o roteiro chama-se Fuga. Na tela, todos fogem e se escondem da aparente desgraça de ter os pais que tiveram para depois entenderem, a golpes de dor, que o laço de amor que os une é mais salvador e modificador que o ato de fugir.
 
Curioso é saber que Almodóvar pediu que as atrizes criassem a mesma personagem sem terem contato uma com a outra - elas se viram apenas na filmagem da belíssima seqüência dentro de um trem que vai de Madri para a Galícia.
 
E pediu que elas não criassem momentos de choro, por mais que a história desabasse em dramas e mortes.
 
O que o diretor queria, segundo suas próprias palavras, era "um filme seco, sem lágrimas". O que ficou estampado na tela, então, são mulheres rodeadas por uma atmosfera de cansaço emocional e de melancolia.
 
Por isso, alguns críticos consideram que a obra é fria - o que não é verdade, em absoluto. Somente com uma espécie de aceitação da vida e de suas crueldades, elas seriam capazes de passar por morte e abandonos.
 
Aliás, nunca se morreu tanto num filme de Almodóvar como em "Julieta". As personagens entram em cena para em seguida se suicidarem, se afogarem, ou morrer após doença longa e incurável. E as que permanecem vivas, somem sem dar explicações.
 
Julieta é uma melodrama, estilo com que Almodóvar sabe lidar muito bem. Os diálogos são muitas vezes açucarados e comovem justamente por causa dessa ousadia de tentar entender nossos corações por meio da pieguice sincera, das frases de efeito, dos olhares de soslaio.
 
Se uma telenovela brasileira tivesse um autor como o espanhol, estaríamos salvos.
 
É impossível não se emocionar com "Julieta". Agora, se você for mãe (porque se trata de um filme sobre mulheres), aperte o coração quando as luzes do cinema se apagarem e a tela ganhar vida.

Trailer Oficial

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