"A vida é de quem se atreve a viver".


Jornalistas e analistas podem pretender denunciar Diego Maradona, que de nada adiantará. Canalha e pérfido, vai continuar sendo um deus
Maradona, o deus herdeiro de uma santa

Alexandre Ribondi –

Com o aviso de que o velório iria ser encerrado, a multidão que se acumulava na Plaza de Mayo invadiu a Casa Rosada para ver pela última vez o corpo de Diego Maradona. E ninguém poderá dizer que ficou surpreso. Afinal, o que mais se pode fazer quando morre alguém da grandeza de Dieguito? A multidão se agita, se descontrola e não aceita ordens.

E o povo argentino estava órfão desde a morte de Eva Perón, em 1952. Ela era conhecida como Santa Evita e Maradona (fotos do enterro de Evita, abaixo), três décadas depois, foi cunhado, com paixão e delírios, para ser um Deus. Tinha igreja e servos fiéis. O corpo de Eva foi roubado e somente voltou a aparecer na Itália onde ficou até os anos 1970, quando foi levado para a Espanha onde morava Perón em seu exílio. Com a morte dele, Isabelita, sua viúva, mandou levarem o caixão da Santa para Buenos Aires, onde repousa até hoje no cemitério da Recoleta. É bom tomar cuidado porque El Pibe de Oro poderá passar pela mesma peregrinação.

Falavam mal de Eva Perón. Acusavam-na de ser (e era mesmo) demagógica e populista. Jurava lutar pelo seu povo (pobre) enquanto desfilava pelo mundo envolta em peles caríssimas, perfumes valiosos e jóias milionárias. Agora, dizem a mesma coisa de Maradona. E é tudo verdade: acusam o homem de ser homofóbico, de se recusar a reconhecer dois filhos nascidos de aventuras, de ser oportunista que chegou a trocar sorrisos com a ditadura militar, de admirar Fidel Castro, Hugo Chávez e Lula e, para horror da classe média que finge ser asséptica, de ser viciado em heroína.

Mas todo deus é contraditório. Ama infinitamente e ordena assassinatos. Põe um filho no mundo e o deixa ser torturado e morto sem mover uma palha. Passeia entre o sagrado e o profano sem perder a santidade. O povo argentino sabe lidar com isso. O tango, dito a tradução da alma argentina, deixa claro que viver é sofrer, porque ninguém presta, ninguém vale nada.

A música Gira, Gira (cantado por outro símbolo da pátria, Carlos Gardel) avisa que “quando te vires no escuro, sem uma luz encontrar (…) verás que tudo é mentira, verás que nada é amor”. E, mesmo assim, a vítima continua mergulhada no amor e na paixão. Por isso, os jornalistas e os analistas podem pretender denunciar Diego Maradona, que de nada adiantará. Canalha e pérfido, vai continuar sendo um deus.

 

 

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