"A vida é de quem se atreve a viver".


Política de mobilidade no DF é "pra inglês ver"
Reflexões sobre a (i)mobilidade no DF

Uirá Lourenço (*) -

Na semana em que se celebra o Dia Mundial sem Carro (22/9) vale refletir sobre a (i)mobilidade na capital federal. A data foi criada na França em 1997 e atualmente é comemorada em diversas cidades de vários países. E, para tratar de mobilidade, há que se atentar para as condições de segurança no trânsito.

Os jornais estampam o saldo dos últimos dias nas vias do Distrito Federal: nove mortes, incluindo duas crianças, um adolescente e um idoso atropelado. O alto limite de velocidade e a imprudência resultam em muitas famílias destroçadas.

Ao longo dos anos, houve poucas ações voltados à segurança no trânsito e ao incentivo dos meios alternativos ao automóvel. Apesar da fama de respeito ao pedestre, basta caminhar um trajeto curto na área central para constatar a situação vexatória de inacessibilidade. Um cadeirante ou um cego é incapaz de transpor os inúmeros obstáculos para ir da rodoviária do Plano Piloto à catedral.

Da mesma forma, apesar de se intitular capital das ciclovias, o ciclista sofre com graves problemas e em vários pontos, como na rodoviária e próximo ao Congresso Nacional, a ciclovia simplesmente desaparece.

E o que dizer do transporte coletivo? O metrô empacou nos 42km de extensão. O projeto do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT) foi anunciado em 2008 e continua sem data para lançamento.

A ligação por trem entre Brasília e cidades do Entorno é algo bastante plausível, e também utópico. Quanto ao transporte por ônibus, não precisa ser especialista no tema, basta parar e perceber o absurdo: trabalhadores amontoados em veículos superlotados, obrigados a pagar tarifa elevada e perder horas no trajeto diário.

A expressão “pra gringo ver” descreve bem as ações voltadas a pedestres e ciclistas. Ciclovias no canteiro, onde é fácil construir, que terminam nos pontos onde mais se precisa de um caminho segregado e seguro.

Calçadas amplas e novas em canteiro arborizado ,onde passa pouca gente a pé, contrastam com calçadas totalmente deterioradas e invadidas por carros em locais movimentados, como a via W3 e o Setor de Rádio e TV Sul.

Em contraste com a lentidão nas ações voltadas ao transporte coletivo e saudável, nos últimos anos se executaram várias obras de ampliação do espaço aos carros, como a ampliação da Estrada Parque Taguatinga (EPTG), curiosamente chamada de Linha Verde.

E vários outros projetos de incentivo ao transporte individual motorizado foram propostos, como um viaduto no Sudoeste, um túnel em Taguatinga e a nova via Transbrasília.

Enquanto cidades modernas derrubam viadutos para criar mais espaços de lazer, aqui ainda se mantém o modelo atrasado. Além de pistas, túneis e viadutos, o modelo insustentável inclui a invasão de canteiros, calçadas e ciclovias por carros.

Até quadra de esporte vira estacionamento na tentativa de acomodar a frota crescente de carros. A ausência de fiscalização rígida contra os motoristas infratores resulta em caminhos a pedestres e ciclistas bloqueados diariamente.

O atual governador assumiu com um plano de governo promissor na área de mobilidade. Entre os objetivos, destacam-se: “ampliar o uso de bicicletas para deslocamentos diários casa-trabalho e casa-escola”, “facilitar o uso das calçadas pelos pedestres” e “promover acessibilidade para as pessoas com deficiência ou dificuldades de locomoção”.

Na prática o que se vê é mais do mesmo: rodoviarismo caro e atrasado, apesar das inúmeras leis que dispõem sobre o incentivo aos modos coletivos e saudáveis de transporte.

Na semana e em especial no dia 22, o GDF promoveu atividades para incentivar os modos saudáveis de locomoção.

Por outro lado, executa obras de ampliação do espaço aos carros no norte do DF, com diversos túneis e viadutos para deleite motorizado, numa região bastante carente de transporte coletivo e inacessível a pé e por bicicleta. Em vez de exemplo em sustentabilidade, a capital federal cada vez mais agrava a imobilidade e fica sufocada pela frota crescente de automóveis, que resulta em congestionamentos, estresse, sedentarismo e poluição.

Com cofres públicos vazios e risco iminente de racionamento de água, o atual governo desperdiça preciosos recursos em obras para devastar grandes áreas, aterrar nascentes, aumentar o nível de impermeabilização do solo e incentivar o uso de carro.

Fica a pergunta aos gestores públicos: por que não seguir as leis e os compromissos de governo e implantar um modelo de mobilidade moderno, com segurança e incentivos a quem deixa o carro em casa?
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(*) Uirá Lourenço é servidor público, ambientalista e colaborador do Mobilize Brasil.

Artigo publicado no jornal Correio Braziliense de 28/09/2016.

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