Geniberto Paiva Campos (*) -
Sem qualquer anúncio prévio. Sem nenhum aviso. Nem de última hora. Nenhum debate ou a mínima discussão. Assim, o presidente em exercício Michel Temer e seus parceiros jogaram o Brasil num abismo sem fim ao assumir, ingenuamente, a teoria neoliberal, “ideologia disfarçada de ciência econômica”. (1)
Uma mentira. Uma fraude insustentável, exceto para uma classe média cooptada e convertida por uma mídia farsante e sem escrúpulos, que a transformou em crédulos militantes de uma causa sem futuro: o neoliberalismo.
O novo governo cumpre fielmente as ordens dos seus patrões, os locais e os distantes, representantes do mais retrógrado e inviável sistema econômico, o qual somente sobrevive nas mentes ultrapassadas da militância neoliberal.
Parecendo uma revanche histórica.
Não satisfeitos com o desmanche do socialismo e da extinção da União Soviética, os ideólogos do capitalismo rentista assumiram uma espécie de vingança: destruir o estado de bem-estar social; apagar qualquer resquício de “socialismo”, e de cambulhada, extinguir direitos trabalhistas e desmontar a previdência social. E fazer a pronta entrega da soberania nacional.
Michel Temer e o seu grupo adotaram automaticamente essa estranha pauta, talvez sem avaliar suas consequências, quando aplicaram o (suave) Golpe de Estado de 2016.Longamente urdido. Tramado e executado com o apoio de forças externas.
O qual incluiu até a “compra” de resultados de jogos da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Aquele estranho, inesquecível Alemanha 7 x 1 Brasil.
A seleção brasileira estava impedida de ganhar um novo título mundial de futebol. Para não interferir na eleição presidencial. Não funcionou eleitoralmente. Mas ficou a imensa vergonha para os que amam o futebol.
Ao que parece, os novos governantes estão convenientemente esquecidos de que nos últimos tempos, entre os povos de todos os quadrantes do Mundo surgiu “uma crescente insistência de que o império da lei – ou pelo menos padrões mínimos de decência humana – venha a governar os atos dos Estados, assim como o de seus cidadãos.” (2)
Imaginando estar acima do julgamento político – imediato e impiedoso - o qual já se faz perceptível, bastando conferir as últimas pesquisas de opinião. Aliás, alguns partidos apoiadores do golpe estão, na prática, politicamente extintos.
Contando, ainda, com a “memória curta” dos brasileiros para escapar do também impiedoso julgamento da História.
Estaria, então, decretada a completa “anestesia moral” no jogo político. Um vale-tudo que vai nos conduzindo celeremente para desfechos imprevisíveis. Com a política dominada por atores desqualificados. Movidos tão somente por interesses subalternos.
Pior: arrastando o país para o abismo sem fim da desigualdade e da injustiça. Destruindo valores fundamentais da convivência humana. Criando um novo país de espertos e amorais.
Impondo, na prática a máxima malufista da política, onde “feio é perder”. Assumindo, claramente, a política como a “arte da esperteza”.
Após quatro derrotas seguidas nas eleições presidenciais, estava aberto um novo período, o vale tudo para a reconquista do poder. Incluindo a compra de consciências (e do voto), para naturalizar e legitimar a corrupção, o crime e as manobras ilegais, desde que trouxessem os conservadores neoliberais de volta ao comando do país.
Utilizando cinicamente a fraude e a mentira, com a certeza da impunidade, retomaram o poder. Sem a necessidade de consulta aos eleitores. E, imediatamente, teve início a rapinagem apressada e cínica, “roubando o futuro e a esperança dos brasileiros’. (3)
Preparando o país para o desfrute dos 3% mais ricos. Tornando-os mais ricos e arrogantes. Como se empurrassem o país para um túnel escuro. Facilitando o assalto.
Michel Temer, na qualidade de vice da presidente afastada, participou ativamente da conspiração. E com pressa de assaltantes, o seu grupo de comparsas, sem o menor pudor, deu início ao desmonte do país.
Embora pareça um pouco precoce, algumas lições (morais e políticas) podem ser assimiladas deste espantoso episódio.
Como um professor de direito constitucional alia-se a um esquema golpista de tal natureza? Eis uma pergunta de difícil resposta.
Como o vice Michel Temer foi tão facilmente cooptado pelos agentes neoliberais, tornando-se um reles traidor dos seus princípios e da sua Pátria?
Nessa perspectiva, vale lembrar a saga de alguns vice-presidentes da história recente do país, que vieram a assumir a presidência. O mais próximo do Temer seria Café Filho, o qual sumiu na poeira do tempo, consumada a traição ao presidente Vargas.
Entretanto, o melhor exemplo de comparação de figuras conhecidas da política brasileira com o presidente seria o ex-governador carioca Carlos Lacerda.
Lacerda foi uma das figuras públicas mais inteligentes do país. Administrador capaz. Jornalista e orador brilhante, com grande capacidade de convencimento. Pelos seus dotes inegáveis, esse quadro partidário tipicamente udenista, exerceu forte influência na vida política do país, a partir de década de 1950.
Teve intensa participação no desfecho da crise que levou Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954. Sua atuação foi, também, decisiva na derrubada de João Goulart em 1964, com a instalação, por mais de duas décadas do regime militar.
A partir desse ponto, Carlos Lacerda entrou no seu labirinto pessoal. Talvez pela ausência de uma visão estratégica coerente, cometeu pequenos e grandes equívocos políticos. Imperdoáveis na vida pública.
Mudou de lado com frequência inusitada: foi comunista na juventude; conservador e neofascista na vida adulta; tentou voltar ao campo progressista logo nos primórdios do regime militar, com a criação da natimorta “Frente Ampla”. Ações pessoais sinuosas que resultaram na criação de uma imagem polêmica. Com perda da confiança de todos os campos políticos por onde transitou.
Carlos Lacerda morreu aos 63 anos, de causas cardiovasculares. Segundo alguns testemunhos, deprimido a alcoólatra. Jamais conseguindo realizar o sonho de se tornar presidente do Brasil.
Um dos maiores políticos brasileiros do século passado teve, portanto, uma trajetória polêmica e conturbada. Traduzida numa conduta política ousada e sinuosa. Com escolhas erradas, em horas incertas.
Seu exemplo deveria nortear aqueles que seguem na vida política sem uma visão clara de objetivos e dos meios disponíveis para alcançá-los. E dos limites morais permitidos, claramente delineados na consciência de cada um.
Isso não se faz, Michel! Os fins não justificam os meios.
A História não perdoa a traição... E cobre de vergonha e opróbio os traidores.
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(*) Geniberto Paiva Campos, do Coletivo Lampião
(1) Dani Rodrik in “Salvando a Economia do Neoliberalismo” – 2017, citado por Carta Capital, nº 980/ novembro 2017
(2) Gaddis, J.L in “História da Guerra Fria” – Ed. Nova Fronteira, RJ, 2010
(3) Saul Leblon in Carta Maior – novembro, 2017