José Carlos Peliano(*) -
O golpe parlamentar, jurídico e midiático na claudicante democracia brasileira abriu feridas purgantes entre os coxinhas de um lado e os mortadelas de outro.
Os paneleiros de verde-amarelo de um lado e os esquerdas de vermelho de outro. Esperar dos dois grupos uma reconciliação é provável que somente na outra encarnação, se houver, ou daqui muitos e muitos invernos desde outra visão de mundo, será?
Existe ainda um terceiro grupo de gente que se põe numa posição de não estar contra nem a favor, muito antes pelo contrário. Pois sim. Acaba que não decidem claramente o que querem, atiram farpas para todos os lados e convulsionam mais ainda a situação, seja engordando o grupo dos coxinhas, seja perturbando os de vermelho.
Ao fim e ao cabo, só não batem panela. Mas reclamam e atrapalham muito. Enquanto isso o país afunda.
Já se disse em outras oportunidades, textos, depoimentos e discursos que o castelo de areia da democracia brasileira caiu já fazia tempo, mas que ninguém dava a devida atenção ou tomou qualquer providência. O oba-oba tradicional, tipo “isso não é nada” ou “vamos deixar como está para ver como é que fica”, veio tapando nossos olhos com a peneira desde a chegada oficial dos colonizadores de nosso território.
Prefeitos, governadores e presidentes formaram fila e seguiram a mesma linha de reação e raciocínio, se é que usavam mesmo a massa cinzenta na administração pública.
Obras por fazer, inacabadas ou intermináveis, melhoria do atendimento médico, construção de escolas, instalação de saneamento, bons salários para professores, reajustes reais do salário mínimo, entre outras coisas, deixaram a desejar ao longo da nossa história republicana.
Sobrou-nos um misto de resignação, descrença e humor negro, às vezes impertinência e arrogância, temperados todos por impaciência e raiva contida.
Essas características não dão conta de todo o coquetel de onde bebe o brasileiro, a cada dia, mas certamente ajudam a entender esse estado de coisas desvairado que vivemos hoje.
A simplificação contribui para captar a mensagem de uma vez de um jeito objetivo e direto, embora possa deixar de fora outros aspectos importantes.
Além do fato de que cada um de nós pela experiência própria ter uma visão muitas vezes diferenciada.
A expressão “casa de Mãe Joana” cabe bem. Em nosso país a impressão que se tem é que tudo pode vir a ser possível desde que as autoridades de plantão façam vista grossa para os problemas municipais, regionais e nacionais ou se dediquem a resolver suas próprias questões ou de seus grupos de amigos.
Segue daí que se avolumam as carências sociais em muitos municípios e capitais, do campo à cidade, a saúde do povo fica debilitada, a educação sem cobertura espacial e qualidade, redes de luz, água e esgoto deficientes e falta de moradia para muita gente.
É claro que chacoalhando tudo isso, sobram sempre os mais pobres, mais necessitados, os últimos a serem observados pelos gabinetes oficiais e a eles dirigidas algumas ações pontuais ou paliativas.
Foi somente nos três últimos governos das esquerdas, os vermelhos, que a situação mudou. Os mais pobres conseguiram chegar à mesa para comerem melhor, pois que recebiam melhor, tanto pelo valor recuperado do salário mínimo, quanto pela relativa facilidade de encontrarem emprego e trabalho. De fato, foi o período no qual o país registrou a maior queda na desigualdade de rendas entre todos aqueles que estavam no mercado de trabalho.
Nunca houve um sucesso como esse na história documentada do mundo ocidental. Cerca de 35 milhões de pessoas saíram da pobreza. Este o espinho na garganta das elites, as que dormiam em berço esplêndido e as que as imitavam sem os respectivos berços.
Era muita gente que passou a disputar espaço com elas nos aeroportos, nos supermercados, nas lojas, nos shoppings, nas ruas com ou sem seus carros, nos shows, nas roupas, enfim na vida normal e quotidiana dos brasileiros.
O incômodo das elites tomou conta dos noticiários tendenciosos, dos comentários dos locutores nas rádios, das manchetes e entrelinhas da grande mídia escrita. Era “gente desqualificada” por todos os lados no meio das elites.
Do jeito que a coisa ia não seria possível voltar atrás. A maioria voltaria a eleger gente do mesmo partido por muito tempo à frente. O que significaria continuar a política de redistribuição de rendas, reduzindo os benefícios dos ricos e melhorando a qualidade de vida dos pobres.
Recursos orçamentários teriam de continuar a ser disputados entre equipamentos urbanos sofisticados e escolas de primeiro ou segundo graus, por exemplo.
Quais prioridades?
As elites se juntaram para arranjar motivos para complicar o governo eleito. Resultado? Vieram de mensalão desacreditar o governo, defenestrar seus líderes e mostrar à população com a ajuda da mídia que o tal governo do povo era, de fato, de corruptos.
Tiveram sucesso parcial porque, quatro anos após o conturbado final político do segundo governo Lula, a primeira presidenta ainda conseguiu ser eleita e reeleita por pequena margem. Mas ficou difícil governar uma vez que a maioria dos congressistas dificultou o trâmite das propostas enviadas pelo governo. Hora de aproveitar, então, o imbróglio político e dar um jeito de provocar a saída da eleita.
Impeachment nela. Oposição das instâncias do Congresso, Judiciário e do Governo mais os paneleiros. Conseguiram retirar a eleita por razões inexistentes, hoje reconhecidas fabricadas e falsas.
Aí vem a letargia das esquerdas, ou cansaço, ou desesperança, juntamente com a apatia conveniente da direita que não mais bate panela, mas bate cabeça pela crise instalada.
Um governo ilegítimo e desonesto vende o país todo, ameaçando até mesmo a entrega da Amazônia para exploração mineral.
E aí alguns membros da direita, envergonhados ou dissimulados, conseguem reclamar do absurdo de entrega da Amazônia à exploração indiscriminada, inclusive estrangeira.
Eu, claro que concordo, mas adiciono, absurdo maior é entregarem o país. A resposta? “Salvemos pelo menos a Amazônia”. Fecha o pano.
O que esperar dessa direita conservadora, retrógrada, reacionária e burra? Nosso país precisa mesmo de educação, mas especialmente educação das elites. E vergonha na cara!!!
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(*) José Carlos Peliano é economista, poeta e escritor.