"A vida é de quem se atreve a viver".


Síria e o terrorismo midiático dos EUA

Romário Schettino -

O professor de Historia da UnB Daniel Faria resumiu muito bem o que significa a enxurrada de notícias veiculadas diariamente na mídia nacional e internacional sobre o conflito na Síria: “O noticiário é a continuação da guerra por outros meios”.

Daniel faz questão de dizer que se inspirou em Carlos Henrique Siqueira, que afirmou: “O cinema é a continuação da guerra por outros meios”. A frase remete, por outros motivos, ao prussiano belicista Claus von Clausevitz, que disse: “a guerra é a continuação da política por outros meios”.
 
Mas fiquemos com o professor Daniel. O jornalismo atual, tecnológico, na era da internet e os meios tradicionais de veiculação, cumprem o papel de manter o clima de terror à flor da pele, sem muitos cuidados com as análises humanistas e mais responsáveis.

Para aqueles que acompanham o noticiário, cabe uma reflexão: serão os jornalistas meros ignorantes, ou simples reprodutores de visões unilaterais?

Os filtros do noticiário internacional já não são tão eficientes como há algumas décadas atrás, quando as agências noticiosas dominavam as redações com suas máquinas de telex. O volume de contrainformações busca um equilíbrio ainda não alcançável.

Hoje, os empresários donos dos meios de comunicação oligopolizados continuam exercendo papel orientador de seus veículos, sempre do ponto de vista conservador, e tentam evitar a influência das mídias sociais globalizadas. Além disso, contam com um time de jornalistas menos experientes, mal formados ou ignorantes e, em muitos casos, perfeitamente alinhados com o conservadorismo.

Logo depois do bombeio espetacular dos EUA, as emissoras de rádio brasileiras repetiam, o dia inteiro, que o ataque de armas químicas feito pelo governo sírio sobre a população civil motivou o bombardeio estadunidense.

Por algum motivo, pouco usual, foi possível ouvir o embaixador brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, chefe da Comissão da ONU que investiga violações de direitos humanos no pais árabe, dizer que “poderia ter sido os rebeldes” os provocadores das explosões químicas.

Pinheiro disse que em Genebra (Suíça) todos ficaram surpresos com a guinada sem sentido de Donald Trump, que parecia caminhar para contribuir com o processo de negociação.  

O embaixador repetia, insistentemente, que “o ataque estadunidense não ajudava em nada o processo de paz encaminhado pela ONU”.

O único efeito devastador desse ataque será o aumento das tensões na região, o crescimento de desabrigados e a fuga de exilados em busca de “segurança” no Mar Mediterrâneo, onde morrem afogados aos milhares.

Mais dúvidas – Pela internet, outro diplomata, Peter Ford, ex-embaixador do Reino Unido na Síria, afirma: “Assad não é autor dos ataques químicos”.

Para ele, é preciso definir primeiro: “A quem o crime beneficia? Claramente não beneficia o regime sírio ou os russos, e considero altamente improvável a hipótese de que ou o regime sírio ou os russos estejam por trás disso tudo”.

Peter Ford admite mesmo a existência de “fake news (notícias falsas), imagens, vídeos, informações todas falsas, saídas de fontes da oposição, não de jornalistas independentes”.

E mais, o diplomata inglês acha que “é possível que as imagens mostrem cenas de um bombardeio que tenha atingido um depósito jihadista de munições químicas. Sabemos de fonte segura que os jihadistas estocavam armas químicas nas escolas em Aleppo-Leste, onde essas munições foram vistas por jornalistas ocidentais. Essa é outra possibilidade”.

Esse jogo de verdades e mentiras alimenta o noticiário, mas não informa o que se passa na realidade. Peter Ford menciona as chamadas armas químicas do Iraque, que nunca foram comprovadas.

Outra questão desprezada pelo noticiário é sobre quem sucederia Assad . A família de Bashar al Assad é alauíta, seu regime secular dá proteção às minorias, aos cristãos, aos direitos das mulheres. O que representa o Estado Islâmico? O horror dos horrores. O lugar onde aconteceu o bombardeio que justificou o ataque ordenado por Trump é dominado por jihadistas, dos mais extremistas.

É bom lembrar o que disse o diplomata sobre os intervencionistas: “São como cachorros que retornam ao próprio vômito. Já cometeram todos esses erros – o Iraque, a Líbia –, mas não aprendem, querem reproduzir o mesmo cenário agora na Síria”.

O governo Trump semana passada tinha dado um passo adiante quando desautorizou a política de Obama, que consistia exclusivamente de tentar derrubar o governo da Síria. Os EUA estariam mais interessados em erradicar o Estado Islâmico.

É significativo que poucos dias depois dessa manifestação do governo Trump, aconteça o ataque com mísseis.

Peter Ford conclui: “É bem provável que os jihadistas, interessados em dificultar o serviço de Donald Trump, tenham distribuído informações falsas, como do tal ataque químico”, que toda a imprensa brasileira reproduz sem nenhuma leitura crítica.

A guerra na Síria pode até ajudar Donald Trump a recuperar sua popularidade entre os americanos, mas não trará paz no Oriente Médio.

Aliás, o caos interessa às potências ocidentais porque assim ficará mais fácil controlar as riquezas energéticas e o poder político na região.

Não basta a destruição da Líbia e do Iraque, é preciso completar a carnificina na Síria.

Resta saber se Rússia, China e Irã vão permitir. A charge de Celso Schroeder, que ilustra este artigo, é bastante sugestiva.

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