Geniberto Paiva Campos -
Ao final da II Guerra Mundial, em 1945, quando emergiu como potência atômica, os norte-americanos resolveram usar seu poderio incontrastável do pós-guerra para intervir, direta ou indiretamente, nos países sob a sua presumida esfera de influência.
Sempre na preservação dos interesses econômicos e geopolíticos da oligarquia financeira que comanda o país. Usando como pretexto a “defesa e expansão da democracia”. Assumindo o papel de “gendarme do mundo”. O qual foi consolidado e expandido nas últimas décadas.
É bastante provável que tenham usado neste processo expansionista o mesmo critério aplicado na sua marcha interna em direção ao Oeste do seu território, subjugando ou eliminando nações indígenas nativas. E quando se apropriaram, em definitivo, de valiosas terras do vizinho México, incorporando-as de forma abusiva, ao seu território.
A esse tipo de intervenção denominam “Destino Manifesto”. O que esse estranho conceito possa significar.
Os embates da Guerra Fria somente fizeram agravar a fúria intervencionista americana.
Sempre com o pretexto de exportar a sua “democracia” para todo o mundo. Submetendo governos e nações aos seus interesses. Ditaduras cruéis foram apoiadas pela Pax Americana, desde que fossem convenientes aos seus interesses econômicos e geopolíticos. Claro, sempre em defesa da “democracia”.
Desde a segunda metade do século XX as intervenções na política interna de povos e nações, em todos os quadrantes do mundo, ocorreram num crescendo incontrolável. Tornando-se algo previsível e natural. Até o tempo presente.
Irã, Coréia, Guatemala, Paraguai, Cuba, Vietnam, Chile, Brasil, Argentina, Bolívia, Uruguai. Até a queda do “Muro de Berlim”, seguida do esfacelamento da União Soviética em 1989, foram estes, entre outros, os países vítimas da “expansão democrática” dos americanos.
PROVANDO DO PRÓPRIO VENENO - O século XXI trouxe a diversificação do método intervencionista e a ampliação do leque de “inimigos” a serem neutralizados/eliminados.
O atentado às “Torres Gêmeas”, de 11 de setembro de 2001, introduziu um componente inesperado na aparentemente tranquila democracia interna americana.
E mostrou a vulnerabilidade do outrora inexpugnável território dos Estados Unidos em períodos de guerra ou a ataques de grupos “terroristas”.
O “11 de setembro” deu início, portanto, a uma nova era na política externa americana. E a conveniente inclusão dos novos inimigos da democracia em sua lista: o Estado Islâmico, ou o “Eixo do Mal”, como o ex-presidente Bush Júnior o batizou.
Como se os Estados Unidos tivessem assimilado todos os equívocos que disseminou pelo mundo, a outrora admirada democracia americana vem sendo gradativamente solapada por intervenções autoritárias, originadas dos poderes constitucionais.
(Vale lembrar por sua importância histórica, o “Comitê de Atividades Antiamericanas”, originário do Congresso Americano, iniciativa do senador Joseph McCarthy, na década de 1950. Talvez um dos subprodutos mais significativos da Guerra Fria. Esta fase da vida política iria ficar conhecida como Macartismo. Um dos períodos mais estranhos e obscuros da política interna dos Estados Unidos. Um sinal do que estava para acontecer em tempos futuros).
Para os observadores atentos, o declínio mais acentuado da democracia americana tem início na década de 1980 com a eleição, de certa forma inesperada, de Ronald Reagan.
A qual marcaria a hegemonia do neoliberalismo como doutrina adotada internamente, e que passaria a ser exportada pelos americanos: estado mínimo e lucros sem limites para o capital especulativo.
A eleição de Reagan, antigo astro de Hollywood, causou espanto e preocupação em muitos setores, principalmente entre os estrategistas e intelectuais americanos.
O que levou o escritor Gore Vidal a dizer, numa famosa entrevista, que- Reagan não seria eleito. – “Por que? ” perguntam os jornalistas. – “Porque aqui não é o Paraguai”, explicou Vidal.
Eleito Reagan, os jornalistas voltaram a procurar Gore Vidal: - “Qual a sua explicação para a vitória do Reagan?” - Benvindos à Assunção...” respondeu o escritor. Com indisfarçado preconceito, pesada ironia, mas como se pode perceber, em tom profético.
É provável que a partir daí a política doméstica norte-americana tenha começado de uma forma mais evidente a sofrer influências de sua errática política externa. No seu dia-a-dia e no processo político eleitoral mais amplo. Por exemplo, na importante escolha dos seus presidentes.
Reagan, Bush Júnior, e agora Donald Trump seriam os mais prováveis e significativos modelos presidenciais de países “subdesenvolvidos” no governo norte americano.
Pela estranheza das suas figuras de governantes e até pelos métodos utilizados para ganhar eleições.
Os chineses costumam chamar essa inversão de papéis, aquela situação na qual “as moscas capturam o papel mata-moscas...”
Para combater o extremista “Estado Islâmico” seriam necessárias medidas extremas, mesmo tangenciando o mais truculento e primitivo totalitarismo. E o mais grave, praticando atos terroristas em diversos países, a pretexto de “combater o terrorismo”. E trazendo de volta ao século XXI os campos de concentração nazistas. Com novos inquilinos.
Daí a grotesca ideia de Guantânamo, base americana localizada em território cubano. Nesta “unidade especial” seriam permitidas sevícias e torturas contra os “inimigos islâmicos”.
E os direitos humanos poderiam ser convenientemente abstraídos pelos americanos. Afinal, estava sendo travada uma guerra santa contra o eixo do mal. Assim determinava a doutrina do presidente Bush Júnior.
Guantânamo, curiosamente, não ganhou nenhuma denominação midiática de marqueteiros políticos. Como ocorreu à época de Guerra Fria: “muro da vergonha”; “cortina de ferro”; “mundo livre”; a “ameaça vermelha”.
Guantânamo continuou Guantânamo e ponto final. Ninguém ousou apelidar a base norte americana de “Nova Auschwitz”, por exemplo. Havia o silêncio cúmplice da mídia americana e dos países simpatizantes...
Internamente, a democracia americana passou a sofrer sérios declínios, com restrições severas aos direitos individuais.
Dessa vez, por iniciativa do Executivo. E o apoio do Congresso. O então presidente republicano Bush Júnior, como se fosse um tradicional caudilho latino americano, passou a decretar “atos institucionais”, facilmente aprovados pelo Congresso, restringindo outros direitos, em nome da “Segurança Nacional”. Criando, na prática, um estado autoritário, apenas com aparência de democracia. Com a justificativa – talvez mero pretexto – de combater o “Islamismo”, e outros inimigos.
Pela ordem, foram editados no governo Bush, na primeira década do século XXI, as seguintes medidas ou “atos institucionais” (Moniz Bandeira -1):
1. Suspensão do direito de habeas corpus para “combatentes inimigos fora-da-lei” e para aqueles que os ajudaram;
2. Os combatentes fora-da-lei aprisionados no Afeganistão e levados para Guantânamo estavam impedidos de recorrer, com base na Convenção de Genebra, às cortes americanas;
3. Deu ao presidente o direito de deter, indefinidamente, qualquer cidadão – americano ou estrangeiro – de posse de material de apoio a hostilidades antiamericanas e de autorizar o emprego de tortura em prisões militares secretas;
4. Bloqueio de qualquer ação legal que prisioneiros, detidos como “combatente inimigo “ empreendessem, em virtude de danos e abusos sofridos durante a detenção;
5. Permissão aos militares americanos e agentes da CIA o engajamento em práticas de torturas. E autorização para o uso de depoimentos obtidos através de coerção;
6. Concedeu aos militares americanos e agentes da CIA imunidade contra processos por torturarem detidos capturados durante o ano de 2005.
Qualquer semelhança com caudilhos latino-americanos terá sido mera coincidência.
A ELEIÇÃO DE DONALD TRUMP E O FUTURO DA DEMOCRACIA AMERICANA
A eleição recente de Donald Trump, para muitos inesperada, tornou mais evidente e mostrou ao Mundo a complicada situação interna da política americana. A qual vem causando grande perplexidade em todos os quadrantes do planeta.
É bastante provável que os eleitores americanos tenham se cansado de tantas intervenções pelo mundo. E resolvido mudar o padrão.
É incrível o retrocesso da Democracia e dos padrões civilizatórios na vida americana. Uma sociedade outrora admirada em todo o mundo desenvolvido. Exemplo e modelo de convívio civilizado.
A Política nem sempre acompanha as conquistas econômicas, científicas e tecnológicas dos povos e nações. É provável que a longa duração do regime escravocrata nos EUA tenha influenciado os seus futuros dirigentes.
Mesmo analistas mais atilados, no caso americano, têm dificuldade em entender e interpretar para seus seguidores o que é e para onde caminha a política externa americana.
Seus inúmeros equívocos e repetidas lambanças, nas quais os estrategistas de Washington são mestres insuperáveis. Absolutamente incapazes de aprender as lições da História.
Desnecessário, talvez, listar em detalhes, os inúmeros locais onde os americanos se envolveram em “guerras” e intervenções nas últimas décadas.
Onde conseguiram provar insuperável capacidade destrutiva. Com mínimos êxitos estratégicos: Iraque, Líbia, Afeganistão, Somália, Iêmen, Síria, no futuro, podem ser “apenas fotografias na parede” do Pentágono.
Mas quantas vidas inocentes ceifadas. Quantas nações destruídas. Inutilmente.
Quem sabe, apenas para atender os interesses do “complexo industrial-militar”. Longe, muito longe, das prioridades estratégicas e geopolíticas americanas.
Espera-se que alguns ensinamentos possam ter sido assimilados.
Aguardemos. Mesmo com mínimas esperanças em Donald Trump. Que não é, exatamente, um estadista. Mas, poderá surpreender.