"A vida é de quem se atreve a viver".


José Carlos Peliano
Uma luz no fim do túnel?

José Carlos Peliano -

A esquerda, seus grupos e militantes, caíram do cavalo nas últimas eleições municipais no Brasil. E o tombo foi grande e doloroso. A esperança ficou machucada e adiada para quando? Fomos felizes por alguns anos, desde 2002, mas agora o medo volta a rondar pensamentos, palavras e obras.

Mas não há culpa. Nem a máxima culpa. Afinal um rolo compressor jurídico-midiático levou de roldão projetos e programas sociais que trouxeram milhões para a cidadania e vida digna. Mesmo como contribuintes, comensais e produtores do capitalismo brasileiro.

Por que então a queda no galope para um futuro saudável? O que faltou ser feito para evita-la? Será que se pode tirar lições? É possível que sim e é importante que se as tenha para que se possa descobrir o fio da meada. E buscar rearticular novamente o movimento de justiça social e melhoria econômica com redução da desigualdade.

Manoel de Barros, o poeta pantaneiro, dizia que é preciso repetir, repetir, até ficar diferente. Repetir, segundo ele, é o dom do estilo. A esquerda precisa repetir suas ações e atividades que a levaram ao poder no Brasil para se conseguir achar formas diferentes para ficar diferente. Esse o estilo e o dom.

Já Antônio Barros de Castro, saudoso economista da UFRJ, cunhou em livro para conhecimento da história econômica do país o título o capitalismo ainda é aquele. Queria dizer que vão e voltam os anos, os ciclos e os períodos históricos a rota procurada pelo capitalismo é sempre aquela de voo longo, céu de brigadeiro, sem turbulências e pouso suave.

Alcançar esse padrão de voo não é tarefa simples nem a qualquer tempo. Aí entram correções de aeronave, percurso e horários a fim de continuar operando mesmo em condições mais difíceis. A ideia é a de manter cada voo para não prejudicar partidas e chegadas.

Assim, as recorrentes correções de voo são feitas para manter as aeronaves e as rotas. Quando o tempo não ajuda e por período extenso, reduzem-se os voos e os custos de sua manutenção. Funcionários de terra e ar são dispensados até que o sol volte a brilhar. Essa a regra básica e universal do sistema.

Primeira lição, portanto, que se pode tirar: as melhorias no capitalismo em benefício dos mais pobres e necessitados a fim de reduzir a desigualdade social esbarram em limites econômicos dados pelo sistema. Quando elas passam a incomodar empresários, classes sociais mais favorecidas, instâncias do poder político e autoridades das três esferas de governo, começa a haver um movimento de rechaço, intimidação e repúdio dos avanços e conquistas sociais.

Foi o que aconteceu nos dois períodos incompletos de Dilma, consubstanciado em seu impeachment. Tanto que o governo posterior de plantão com a PEC 241 retira vários direitos e conquistas dos trabalhadores, especialmente os mais pobres, nas áreas de saúde, educação, minorias, reforma agrária, moradia, cultura e assistência social, congelando o que restou por vinte anos.

Do mesmo modo, a permissão de acesso ilimitado às jazidas petrolíferas do pré-sal pelas multinacionais, aliada ao esquartejamento da Petrobras com venda de seus retalhos, entrega boa parte da administração da economia aos estrangeiros. O país passa a ser mero entreposto comercial em muitos setores econômicos.

A ideia por trás disso é retirar recursos sociais para serem canalizados ao pagamento de juros da dívida pública, beneficiando aos rentistas, e aos empréstimos de longo prazo para os empresários investirem em seus negócios. O problema dos capitalistas e de seus representantes no governo federal é que eles repetem, repetem, para continuarem iguais. Nunca diferentes. Podem também cair do cavalo e têm tudo para isso agora.

À esquerda cabe, então, ou ampliar seus espaços políticos, sociais e econômicos na sociedade para sedimentar os avanços e conquistas, incluindo apoios e associações com congêneres de outros países, ou radicalizar sua atuação desde os movimentos sociais representativos para consolidar reduções substantivas da desigualdade e funcionamento efetivo da justiça social.

Afinal, o Congresso e o Judiciário devem respeitar a Constituição no que ela tem de cidadã, conforme nos legou Ulisses Guimarães. Um controle social mais efetivo das decisões desses dois poderes vai conferir a máxima do governo do povo, pelo povo e para o povo.

Uma segunda lição a ser tirada decorre da anterior. O movimento social e suas representações devem aumentar e intensificar a participação de seus membros tanto no Congresso quanto nas instâncias jurídicas e midiáticas. Afinal, a luta política, econômica e social deve ser feita com as mesmas armas usadas pela direita. Essa é a regra do jogo para ser jogado.

Uma terceira lição está igualmente vinculada às anteriores. Não pode haver mudança social significativa e perene se não existe uma rede forte, duradoura e renovada de representações e membros das várias manifestações da esquerda. Não cabe manter suas respectivas divisões ideológicas, inegociáveis, quando as situações são de luta, tomada do poder e sua manutenção em benefício da sociedade, especialmente dos mais pobres e necessitados.

Nesse movimento entram as diversas formas de manifestações nos espaços públicos pela reinvindicação de direitos em defesa da democracia, inclusive greves e operações tartaruga. Tudo isso de maneira articulada entre os grupos e partidos de esquerda, sem o predomínio de um sobre o outro, mas de cooperação e participação concretas.

O que não retira o espaço da negociação política tradicional, onde cabem as tentativas de demonstração, defesa e convencimento de ideias, ações e projetos.

Mas essa alternativa não funciona se não funcionar mais ainda a base política de apoio e sustentação de toda a plataforma de esquerda com grupos estudantis, religiosos, de bairros, do campo, profissionais, sindicais, entre tantos outros.

De fato, a esquerda tem de refazer sua base e nunca mais se esquecer dela ou negligencia-la.

Talvez seja tão ou mais importante refazer a base política de apoio e sustentação da esquerda do que voltar a eleger um presidente da república.

Porque esse pode ser substituído nas eleições, mas aquela só tende a crescer, consolidar e influenciar positivamente as instâncias do poder se houver um trabalho intenso, contínuo e progressivo de conscientização política popular.

Uma última lição possível: a esquerda necessita ampliar sua atuação política mais além das redes sociais, as quais têm tido papel relevante nos anos do governo petista.

É preciso que se construa as condições para se ter uma mídia tradicional de esquerda, seja jornal, TV e/ou rádio.

Nem todos têm acesso à internet, daí as bancas de jornais, os aparelhos de televisão e os veículos de voz que ainda de imediato informam ou desinformam dependendo da veia política por trás.

As quatro propostas anteriores são de médio e longo prazos. Agora, para enfrentar as recentes medidas impopulares e antissociais do governo de plantão o cardápio inclui essas próprias medidas.

De outubro até as eleições do ano que vem o tombo na economia brasileira e os efeitos sociais perversos serão inevitáveis.

Há que se aproveitar dessa derrocada para influenciar politicamente as campanhas dos candidatos de esquerda. Esse o maior trunfo da esquerda!

O que não impede manifestações contra as medidas impopulares, os efeitos sociais regressivos e o autoritarismo que toma conta das três esferas de governo.

Aí quaisquer iniciativas são válidas desde que comecem a gerar um consenso maior dos grupos e representações da esquerda. O povo e o futuro irão reconhecer e agradecer. 

Essa pode ser a luz no fim do túnel.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos