Geniberto Paiva Campos (*) –
Os acontecimentos na esfera político-eleitoral surgem e desaparecem com muita rapidez.
É preciso, portanto, estar atento para não sermos levados pelos fatos, perdendo a sua necessária – embora às vezes difícil – interpretação, para melhor nos orientarmos num campo tão complexo.
Particularmente, algumas eleições presidenciais aumentam de modo significativo as nossas dificuldades interpretativas. Sendo necessário algum tempo para esclarecermos nossas dúvidas. E entendermos melhor os fatos políticos.
A década de 1960, quando tudo começou, constitui um marco importante nesse labirinto político. A eleição de Jânio Quadros para Presidência da República, um político fora dos padrões ortodoxos com os quais os eleitores brasileiros estavam habituados, representou uma mudança nas nossas escolhas.
Para início de conversa, Jânio escolheu como símbolo da sua campanha uma vassoura, com a qual pretendia varrer a corrupção e eventuais desmandos dos poderes republicanos. Isso representou a entrada definitiva do moralismo na política, o qual passou a prevalecer pelas décadas seguintes. Expediente usado por falsos moralistas para eleger e afastar governantes.
Jânio, um “paulista de Mato Grosso” como se autodefinia, adotou uma visão muito peculiar do poder central da República. Começou proibindo o uso de biquinis pelas mulheres e brigas de galo. Em plena Guerra Fria resolveu condecorar Che Guevara com a mais elevada honraria nacional. E sem que tivesse tempo de mostrar a que viera, renunciou ao mandato, em agosto de 1961. No 7º mês de governo. Um episódio político até hoje mal explicado e mal compreendido.
Seu gesto de renúncia gerou uma grave crise político-militar, resultando numa mudança do sistema presidencialista para o parlamentarismo, o acordo para que seu vice, João Goulart pudesse assumir. Exigência dos militares, que não queriam Jango presidente com plenos poderes e se preparavam para uma eventual tomada do poder, a qual ocorreria em 1964.
Fernando Collor de Mello, de tradicional família de políticos alagoanos, candidato pelo PRN, em 1989, veio a representar um retorno do moralismo à política, no processo sucessório para a Presidência da República. Collor adotou como slogan o de “Caçador de Marajás”, pois assim categorizava funcionários públicos que auferiam salários elevados, avaliados como imerecidos. Objetivando o controle da inflação, o então presidente cometeu um equívoco imperdoável ao fazer o confisco de depósitos bancários. Medida que não somente não controlou o processo inflacionário, mas provocou um pedido de impeachment presidencial, tendo como pretexto um Fiat Elba, que acabou levando Collor à renúncia, em 1992, na metade do seu mandato. Assumindo o governo seu vice, Itamar Franco.
Após a gestão Itamar houve uma espécie de retorno aos padrões político-eleitorais tradicionais com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (dois mandatos), e, em sequência, ambos para dois mandatos, Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Dilma não completaria o segundo mandato, pois sofreria impeachment em 2016, sob o pretexto de “pedaladas fiscais”, assumindo o seu vice Michel Temer.
A partir desses eventos, o país adentraria um momento de grande turbulência política, em função das eleições presidenciais de 2018. Na qual o ex-presidente Lula, candidato natural ao pleito, impedido de concorrer, foi preso, teve cassado seus direitos políticos, resultando na eleição de Jair Bolsonaro, pelo PSL, em segundo turno, derrotando o candidato Fernando Haddad, representante do PT.
Estamos vivenciando o 3º ano do mandato de JB. Em meio a uma grave crise econômica e o enfrentamento de uma pandemia. Um estranho governo, o qual vem revelando o total despreparo do presidente para o exercício das suas funções, após a sua vitória numa eleição completamente atípica.
Como a política eleitoral evoluiu para situações tão peculiares? Tangenciando as fraudes mais grotescas?
A atipicidade das últimas eleições foi completa. Caracterizada pela ausência de debates; não realização de comícios, passeatas, desfiles ou carreatas, entre outras peculiaridades. Das quais se sobressaiu o uso intensivo – e diferenciado – das redes sociais. Fato que já havia chamado a atenção no plebiscito inglês sobre a permanência ou saída da União Europeia – o BREXIT – em 2016; seguido da surpreendente eleição de Donald Trump, no mesmo ano, para a presidência dos Estados Unidos.
O potencial de manipulação do eleitorado, através do Facebook, do Google, Twitter ou WhatsApp, gerando notícias mentirosas – codinome Fake News – tornou-se quase infinito. Desta forma conduzindo o seu resultado final para os caminhos desejados, ocultando a manipulação mais grosseira. Sem exagero, devendo esclarecimentos para a Justiça Comum, não somente para a Justiça Eleitoral.
Em seu livro Os Engenheiros do Caos – como fake news, teorias da conspiração, e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições – Ed. Vestígio, 2019, Giuliano Da Empoli consegue explicar, em detalhes, como se processa a manipulação. Assim, criando um novo animal político, que acredita facilmente nas mais estapafúrdias narrativas, transformando a própria natureza do jogo democrático.
Um fato irrecusável é que as novas tecnologias de informação facilitaram amplamente a invasão de privacidade, hoje uma intervenção simples e de baixo custo. No atual estágio do desenvolvimento da informática o acesso a informações minuciosas e completas sobre as pessoas, contadas aos milhões, não apresenta maiores dificuldades de ordem técnica. Os algoritmos permitem o tratamento e o cruzamento de dados, de tal maneira que se torna fácil para agentes interessados, sejam governos, empresas ou organizações criminosas, acessar e individualizar as informações, focando em seus pontos de interesse. (Dowbor, 2020) O que compromete gravemente os direitos de Cidadania.
As eleições presidenciais brasileiras de 2018 tiveram seus resultados seriamente influenciados pela manipulação tecnológica. E suas consequências são bastante evidentes, para o processo democrático, para a governança do país, e particularmente, para o enfrentamento da Pandemia e para outros fatores que surgem no nosso dia a dia.
Trata-se de um fato novo que deverá ser enfrentado com serenidade, inteligência e humildade, por parte dos cidadãos responsáveis pela defesa da Democracia Brasileira.
Vamos à luta!
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(*) Geniberto Paiva Campos é médico e membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP).