Mateus Porto Schettino (*) –
Madri (Espanha) – Nos últimos meses, diversos veículos de comunicação vêm anunciando a existência de um boom das bicicletas elétricas nas cidades. Periódicos locais e de circulação nacional, webs e blogs especializados destacam o aumento do uso e das vendas desse tipo de veículo atribuídos à situação da pandemia.
Em geral, os textos exaltam as vantagens da e-bike e anunciam um futuro promissor para esse tipo de veículo. Por outro lado, pesquisadores tentam definir com precisão a eficácia dos sistemas de pedal assistido em comparação com outros modos de transporte, estimar o custo global da tecnologia e a aceitação do produto no mercado.
Manter a tendência de crescimento depende da nossa decisão sobre qual pode e deve ser o papel das bicicletas elétricas no contexto da mobilidade urbana em relação a outros usos da via pública. Portanto, interessa discutir suas vantagens, mas também seus inconvenientes e limitações.
Façamos, pois, algumas perguntas sobre a bicicleta elétrica:
É uma novidade? – A bicicleta elétrica foi inventada pouco depois que a convencional. Em 1817 o alemão Karl Freiherr von Drais apresentou um protótipo de madeira bastante rudimentar e, em 1890 o inglês John Kemp Starley introduziu a bicicleta moderna no mercado. Já nessa época foram registradas várias patentes de motores elétricos para bicicletas nos Estados Unidos, sem muito sucesso até metade do século passado.
Nos anos 40, a indústria automobilística se dedicou à II Guerra Mundial e as bicicletas elétricas tornaram-se uma alternativa à reduzida oferta de veículos a motor. Outro período de alta foi depois da crise do petróleo de 1973, quando a grande vantagem era não depender das flutuações do preço do óleo cru.
Nos anos 80, o suíço Egon Gelhard inventou a bicicleta elétrica que é utilizada hoje em dia. O sistema chamado pedal assistido consiste em ajudar a pessoa que conduz a bicicleta com a tração do motor elétrico, mas este só se põe em marcha se houver a pedalada.
Nos anos 90, as grandes marcas contavam com o novo modelo comercial, mas o produto não teve grande aceitação do mercado. Foi em 2005, com o auge das baterias de lítio, que se retomou a produção de forma significativa.
Desde essa época, as vendas cresceram progressivamente, até que recentemente registrou-se um incremento vertiginoso na demanda. O repentino interesse pelas bicicletas em geral, e as de pedal assistido em particular, estaria relacionado com outra crise histórica. Dessa vez, é a crise ambiental, que gera mudança climática e pandemias, que nos obrigam a mudar nossos hábitos de mobilidade. E as bicicletas, são, mais uma vez, parte da solução.
Há um boom? Antes da pandemia, em 2018, foram vendidas mais de 2,5 milhões de bicicletas de pedal assistido na União Europeia, destando-se a Alemanha e Países Baixos com 23,5% do total. Na Espanha, entre 2013 e 2018 foram vendidas pouco menos de 276 mil unidades (4,2% do total do vendido no país).
Depois do confinamento total, o movimento nas oficinas e a demanda por peças mostraram que muitas pessoas estavam recuperando suas velhas bicicletas enquanto outras foram às compras. Segundo a Associação de Marcas de Bicicletas da Espanha, as lojas registraram um aumento na demanda em torno de 400% em relação ao período anterior à pandemia. Venderam-se principalmente modelos econômicos, mas as elétricas também foram bastante procuradas.
Como em todas as capitais europeias, o uso de bicicletas também foi notável em Madri. Além das bikes particulares, aumentou o uso de bicicletas públicas. Em uma Madri sem turistas, o BiciMAD, dotado apenas de elétricas, registrou, entre abril e maio, a média de 300 adesões diárias.
Outro fator de crescimento relacionado com a pandemia são as vendas feitas pelo comércio eletrônico, os pedidos de comida e entrega em domicílio, que incrementaram o uso das bicicletas elétricas pelos entregadores.
As bikes elétricas são boas por que requerem pouco esforço? – Entre as principais justificativas para não usar a bicicleta convencional está o fato de se chegar suando no trabalho. O motor elétrico resolveria este inconveniente, permitindo que mais pessoas saiam de bicicleta. Segundo pesquisas do setor, 39% dos espanhóis estariam dispostos a utilizar uma bicicleta elétrica para ir ao trabalho.
No entanto, ver o menor esforço como uma vantagem só reforça o velho conceito de mobilidade ancorado na comodidade herdada da motorização. Associar a locomoção à comodidade desestimula hábitos saudáveis de mobilidade. Resolver inconvenientes com o uso do motor elétrico ofusca outras possíveis soluções para o problema.
Por exemplo, equipar os espaços de trabalho com vestiários ou simplesmente facilitar a circulação do ciclista em uma rede cômoda, segura e bem conectada. Redes que, com o traçado adequado de ciclovias, reduzem o impacto que possa ter as subidas íngremes e a disputa por espaço com os carros.
As pesquisas revelam que pior do que o suor inconveniente, como um dos principiais motivos para não se usar a bicicleta, está o risco de acidentes graves. As pessoas também afirmam que a principal razão para se utilizar as bicicletas é fazer exercício, não contaminar o meio ambiente e economizar dinheiro.
É mais rápida? – Um motor com potência nominal de 500W permite que a bicicleta elétrica alcance velocidades entre 35 e 38 km/h, dependendo do diâmetro do aro (26´´ ou 28´´). Sem dúvida uma velocidade alta que deve ser levada em conta para a segurança no trânsito. O risco de lesões graves em caso de acidente aumenta, assim como o perigo para pedestres se as bicicletas elétricas circulam pelas calçadas.
Entretanto, a velocidade média em áreas urbanas depende de outros fatores, como o motivo e o tipo de itinerário, condições de tráfego e infraestrutura, capacidade física e destreza para conduzir a bicicleta.
Em um estudo realizado em Madri, usuários do BiciMAD registraram velocidades ligeiramente inferiores às dos ciclistas habituados em viagens para o trabalho (15,71 e 15,75km/h). A grande diferença foi marcada pelos entregadores (19,6km/h em média, excluindo as cargo-bikes, de 11,4km/h).
Não poluem? – A bicicleta elétrica tem uma eficiência muito alta em comparação com os automóveis e motocicletas. Entretanto, não está livre de emissões, pois depende de energia elétrica externa. Na Espanha, a eletricidade consumida ainda provém, em boa parte, da queima de combustíveis fósseis.
É preciso considerar o custo global, valorizando o benefício de não poluir durante o deslocamento, bem como ter em conta a energia consumida e as emissões implícitas desde a extração do material para a fabricação, até a gestão dos resíduos (bateria inclusive).
Um estudo da Faculdade de Engenharia Civil de Estradas, da Universidade Politécnica de Madri, concluiu que a bicicleta elétrica emite cerca de 300 kg de CO2 durante sua vita útil, percorrendo em media 20 mil km. Uma pegada de carbono 16 vezes menor que a de um automóvel convencional, mas muito superior à de uma bicicleta mecânica.
E é mais barata? – É preciso fazer uma distinção entre a economia doméstica e os serviços púbicos. No primeiro caso, fora o preço da bicicleta elétrica (em torno de 1.200 euros) ou da adaptação de uma bicicleta convencional (500 euros), estima-se um gasto mensal de 29 euros com a manutenção de uma bike elétrica para uma circulação de 300 km.
No segundo caso, estudos do Observatório da Bicicleta Pública na Espanha indicam que o custo dos sistemas por bicicleta/ano variam da seguinte forma: convencional: 1.081 euros; elétrica: 3.172 euros e misto: 1.986 euros. Em ambos os casos, além do custo da energia e o trabalho periódico com a manutenção típica de qualquer bicicleta, as elétricas tem o motor, a bateria, componentes elétricos e eletrônicos, que exigem cuidados extras com a chuva.
A complexidade dos consertos geram mais custos e dependem de serviços técnicos especializados. A mecânica convencional não envelhece, mas o motor elétrico dura uns de 10 anos e as baterias entre um e dois anos, sendo que uma nova pode custar entre 200 e 400 euros.
O governo financia? – O incentivo é justificado pelo potencial de redução do uso do automóvel privado. Portanto, é preciso considerá-lo no conjunto das políticas de financiamento do transporte. Estudos recentes demonstram que o governo espanhol decidiu aportar 1,3 milhão de euros na subvenção para compra de aproximadamente 6.700 unidades, entre 2013 e 2015 (2,4% de todas bikes elétricas vendidas entre 2013 e 2018). A partir de 2015, só a Área Metropolitana de Barcelona e Agência Energética do Pais Basco, continuaram subvencionando a compra de bicicletas de pedal assistido.
Durante a pandemia, apesar dos pedidos dos fabricantes e das associações de ciclistas, não foi adotada nenhuma medida concreta de fomento ou financiamento por parte do governo do Estado. Por outro lado, o presidente do Governo anunciou a dotação de 3.750 milhões de euros para impulsionar o setor automobilístico, sendo 250 milhões de euros para a renovação do parque industrial particular.
Recentemente, as Comunidades de Madri e Valencia concederam ajuda para a compra de bicicletas elétricas. No caso madrilenho, foram aprovados, em outubro, incentivos para o fomento da Mobilidade Emissões Zero. O orçamento total é de 3 milhões de euros, sendo 1,2 milhão de euros para bicicletas, 250 mil euros para patinetes, 575 mil para ciclomotores e 950 mil em bônus de mobilidade “compartilhada”, concedidos pelo desmantelamento dos carros com mais 10 anos de uso.
As ajudas pagam até 50% do preço das bicicletas (no máximo 600 euros), patinetes (150 euros), ciclomotores (700 euros) e 1.250 por bônus. Estabelecem critérios específicos para cada tipo de bicicleta, mas excluem as bicicletas convencionais e o transporte público.
Resumindo, a bicicleta elétrica pode contribuir com mudanças no modelo de mobilidade urbana mais sustentável e ser um modo de transporte extremamente eficaz. Para isso, as políticas para sua promoção devem focar na substituição do uso do automóvel privado pelo uso das bicicletas elétricas. Em nenhum caso deve estimular a competição com o caminhar, com as bicicletas mecânicas ou com o transporte coletivo. Por isso, é importante adotar política de push and pulll em que são incentivados os modos de mobilidade saudáveis ao mesmo tempo em que sejam restringidos o uso indiscriminado do carro.
Por fim, se se quer que as elétricas, junto com todo tipo de bicicletas, tenham uma maior presença na paisagem de nossas cidades, é indispensável pacificar o trânsito e construir redes de ciclovias seguras e de qualidade, confortáveis e eficientes. Um entorno urbano que anime cada vez mais as pessoas a usarem a bicicleta e permita que essa invenção maravilhosa desenvolva todo o seu potencial e nos ajude a sair pedalando, com assistência elétrica ou não, da situação em que estamos metidos.
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(*) Mateus Porto Schettino (foto) é professor da Escola de Arquitetura, Engenharia e Desenho da Universidade Europeia de Madri, Espanha.
(Este artigo foi publicado originalmente no site www.antena3.com
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Referências
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Las bicicletas públicas de Madrid registran 300 nuevas altas al día desde abril… Business Insider, publicado el 21/05/2020. https://www.businessinsider.es/bicimad-registra-300-nuevas-altas-dia-abril-plena-pandemia-644047
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España apuesta por la bicicleta eléctrica: el 39% la utilizaría para ir a trabajar. Hibrido y Eléctricos. Publicado no dia 12/06/2020. https://www.hibridosyelectricos.com/articulo/bicicletas-electrica/espana-apuesta-bicicleta-electrica-utilizaria-ir-trabajar/20200612120245035868.html
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Trabajo fin de Grado. Evaluación de una bicicleta eléctrica como alternativa de movilidad en la Ciuda de Cuenca. Santiago Ordóñez (2016). Disponível em: http://dspace.uazuay.edu.ec/bitstream/datos/6339/1/12509.pdf
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