"A vida é de quem se atreve a viver".


O latifúndio é o irmão gêmeo da escravidão. O índio e o africano escravizados foram os braços dessa empreitada, que permanece até hoje. Apenas 2% das propriedades ocupam mais de 50% da terra agrícola
Brasil, país que não deu certo

Luiz Philippe Torelly –

Cresci sob a expectativa de que o Brasil era o país do futuro. Toda uma mística foi criada nesse sentido, alimentada pelo positivismo e a crença no poder da ciência que dominou o país, a partir do último quartel do século XIX. Depois veio Stefan Zweig e seu livro vaticínio "Brasil País do futuro".

Alguns espasmos alimentaram a crença, sempre sucedidos por desastres políticos. Jânio sucedeu JK, Sarney sucedeu 21 anos de Ditadura Militar, Collor veio em seguida, depois do golpe de 2016, Temer e Bolsonaro.

Homens de claro matiz fascista, com o discurso anticorrupção, mas todos envolvidos com ela. Personalidades esquizoides, autoritárias e impulsivas, logo se perderam no lodaçal da política. Ocuparam o poder quase a metade do tempo de 1960 até a atualidade.

Quem os colocou no poder? A aliança das classes financeiras, empresariais e a imprensa conservadora: Globo, Estadão, Folha, naturalmente ora com armas, ora com campanhas difamatórias, ora com votos.

Em curto espaço corro o risco de fazer generalizações grosseiras. Mas vou fazer provocações para estimular o debate. Desde a adolescência procurei ler os livros que tentavam explicar o Brasil: Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Charles Boxer, Caio Prado Júnior, Euclides da Cunha, Vianna Moog, Raimundo Faoro, Mario de Andrade, Celso Furtado, Luiz Felipe Alencastro, Lilia Schwarcz, Jessé Souza e muitos outros. O Tom Jobim disse que o Brasil não é para amadores. Estava com a razão.

Se olharmos o mapa mundi, veremos que os grandes países em extensão territorial, tenham sido colonizados ou não, estão bem melhores que o Brasil. Rússia, China, EUA, Canadá e Austrália. O que aconteceu com nosso país, com tanta terra agriculturável, bom clima em grande parte do país, riquezas naturais e minerais, petróleo.

Charles Boxer, historiador inglês e maior conhecedor do império marítimo português, definiu o Brasil como a "vaca leiteira" de Portugal. O território foi sugado por três séculos: mil toneladas de ouro, diamantes e pedras preciosas em profusão, madeiras, especiarias, açúcar, algodão. Fechado ao comércio internacional o país só podia comercializar com Lisboa. Não tinha universidades nem imprensa. Poucos sabiam ler e escrever. Em uma época em que o mundo se globalizava e eram necessários investimentos para a construção de navios, Portugal e Espanha expulsam e perseguem os judeus. Seus capitais vão para a Inglaterra e Holanda, que passam a liderar o comércio mundial. A partir do século XVII os países ibéricos declinam rapidamente.

País pequeno, população escassa e fanática religiosamente, Portugal dá início a colonização aprisionando o índio. Em seguida dedica-se ao tráfico de africanos escravizados. Em cerca de 350 anos mais de 5 milhões são trazidos para trabalhar nas lavouras, mineração e demais serviços comerciais, industriais e domésticos. A maioria tinha uma expectativa de vida laboral de 7 anos, tal o esforço, carga de trabalho e maus tratos envolvidos. Não foram incorporados como cidadãos à sociedade nacional. Após o término da escravidão foram deixados à própria sorte, sem terras, sem educação, sem apoio governamental.

O latifúndio é o irmão gêmeo da escravidão. Sem braços para ocupar tamanho território, o governo colonial concedia sesmarias gigantescas para a agricultura e pecuária. A casa de Garcia D'ávila próxima a Salvador Bahia, foi o maior latifúndio do mundo, indo do litoral até o Rio São Francisco, com 800 km de frente. O índio e o africano escravizados foram os braços dessa empreitada, que permanece até hoje. Apenas 2% das propriedades ocupam mais de 50 % da terra agrícola. Continuamos a ser dominados pelo poder latifundiário, agora associado ao financeiro e industrial. Em 1850 a Lei de Terras sacramentou o modelo colonial e criou dificuldades para a pequena propriedade, que 170 anos depois ainda permanecem, apesar de tantas lutas e mortes.

O pouco que sobrou, obra de governos comprometidos com o desenvolvimento do país, desde 1930, ameaça ser destruído. Quase todos os grandes investimentos feitos no país foram de iniciativa pública. As maiores empresas nacionais, obras de energia e infraestrutura e os insuficientes avanços sociais, foram alcançados pelo investimento público.

Agora até o SUS que se mostrou eficaz diante da mortal pandemia querem privatizar. O Brasil tem que mudar. Já!

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