"A vida é de quem se atreve a viver".


Para dizimar a população contribuiu o uso de óculos, dado que a respiração ao inundar as máscaras os embaçavam... com os consequentes resultados mortais

Rosalba Campra (Tradução: Maria Lúcia Verdi) –

A expansão foi tão devastadora que para conter o contágio foram necessárias medidas extremas. Quarentenas indefinidamente renovadas, distância interpessoal, obrigatoriedade de máscaras protetoras, proibição de deslocamentos e reuniões.

Aos que, tendo superado os setenta anos, se encontravam fragilizados, a lei impôs a reclusão no próprio domicílio, onde, para maior segurança, não deveriam receber visitas, com o que foram morrendo de solidão, melancolia e falta de ar.

Os mantimentos começaram a escassear, chegaram as fomes, assaltos, revoltas e ataques aos palácios do governo, às vezes com tal violência que para reprimi-los foi necessário recorrer a fuzilamentos. Nas ruas, atirados no chão, quantidade de jovens protestavam contra a suspensão de bailes, concertos, eventos desportivos, demonstrações de afeto.

Para dizimar a população contribuiu o uso de óculos, dado que a respiração, ao inundar as máscaras os embaçavam, impedindo aos de vista curta distinguir os buracos nas ruas, com os consequentes tropeções, quedas e fraturas de resultados mortais. Este foi o caso, também, dos pacientes afetados por outras doenças, pois toda a atenção médica, reservada exclusivamente às vítimas do vírus, sofreu uma postergação atrás da outra: o contágio era tão incontrolável que os hospitais não davam conta (nem os cemitérios, se é por isso).

Por fim, não houve sobreviventes, ainda que nem todas essas mortes devam ser atribuídas unicamente ao vírus, o qual, por outro lado, na falta de hospedeiros que o abrigassem, terminou por morrer também ele.

– Isto sim que se chama sorte! Estabelecer uma rota e no trajeto encontrar um planeta habitável e em condições de perfeita limpeza!... Um espaço ideal para a colonização! – exultou o Comandante da Lyra II, nave interestelar em missão exploratória no Borde Externo da Espiral Galáctica Ocidental, e ordenou as manobras para a aterrissagem.
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Nota da tradutora: Rosalba Campra (na foto, abaixo) nasceu em Jesus Maria, Província de Córdoba, Argentina e vive em Roma há muitas décadas. Foi titular da Cátedra de Literatura Hispano-americana da Universidade de Roma La Sapienza, é ensaísta, contista e poeta. Publicou: América Latina: a identidade e a máscara; A selva no tabuleiro: espaço literário e espaço urbano na América Latina; Como com raiva e olhando - a retórica do tango; Territórios da ficção: o fantástico; Cortázar para cúmplices; Formas da memória; Os anos do anjo; Heranças; Cidades para errantes; Ela contava contos chineses; Avistamentos: Mínima mitológica e As portas de Casiopea. (Títulos traduzidos livremente).

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