Guilherme Cadaval (*)
Jacques Derrida, filósofo franco-argelino nascido em 1930 – e que este ano, se ainda estivesse conosco, comemoraria neste 15 de julho seu nonagésimo aniversário – foi sem dúvida um dos mais importantes pensadores do século vinte. Além disso, foi também um professor universitário.
De fato, a relação entre o saber e a universidade, a identificação entre o pensador e o professor, é muito antiga. Que grande filósofo dos últimos séculos não foi ao mesmo tempo professor de alguma grande universidade?
O espaço universitário é, afinal, um lugar privilegiado para o arquivamento e o cultivo do saber acumulado pela humanidade ao longo de sua história. Lugar cujo desenvolvimento caminhou lado a lado com o surgimento dos grandes Estados-nações da modernidade, e onde nasce a ciência moderna, e, com ela, como nos diz Heidegger, a era do domínio técnico quase absoluto do homem sobre a natureza.
Daí ser tão curioso o título de uma pequena conferência que Derrida proferiu sobre o tema, em 1998, na universidade de Stanford: “A universidade sem condição”. Talvez nos venha imediatamente à lembrança a ideia de autonomia, a qual supostamente rege a universidade contemporânea. De fato, uma tal instituição não poderia senão reivindicar para si uma espécie de soberania. Mas não desatentemos da dupla possibilidade contida neste título. A universidade incondicional – aquela que se mune de uma derradeira resistência a todos os poderes externos que querem dela se apropriar – é também, ao fim e ao cabo, sem condição.
Nosso filósofo a chama, a certa altura, uma cidadela exposta. E são muitas, de fato, as ameaças que cercam esta heroica fortaleza. Desde interesses mercadológicos que, nos EUA mais do que em qualquer outro lugar, fazem da universidade a sucursal de imensos conglomerados internacionais. Até o mercado da edição, e o papel decisivo que ele desempenha, tanto no arquivamento, quanto na legitimação do saber produzido dentro da universidade. E poderíamos acrescentar aí, nesse sentido, o papel desempenhado pelas agências avaliadoras e fomentadoras, cada vez mais regidas pela lógica do mercado e a sua mania de produtividade a qualquer custo, e que determinam, em grande medida, os rumos do conhecimento.
Ora, tudo isso concorre para fazer aparecer a universidade – esta com a qual Derrida sonha, e nós junto com ele: espaço onde absolutamente nada está livre de um questionamento crítico, radical, e que, portanto, inventa para si o direito de desconstruir todas as figuras atuais e determinadas do poder – na vulnerabilidade tremenda de sua soberania. O texto de Derrida é, a um tempo, de um otimismo sem limites e de um realismo fatal. É no momento que uma tal universidade parece inteiramente impossível, sem condição, que ela deve afirmar a sua incondicionalidade.
Pois, como nos diz Derrida, só o impossível acontece. Para que possa ser o espaço derradeiro de uma resistência crítica, a universidade não pode fechar-se em si mesma, numa racionalidade pura, imagem que talvez marque a história dessa grande instituição: o erudito não vive em uma torre de marfim? Deve, pelo contrário, aliar-se ao seu fora, às forças extra-acadêmicas, a fim de organizar uma resistência coletiva, comum. Afinal, se se trata de pensar e preparar-se para a vinda de um acontecimento impossível, por definição, não é possível antecipar-lhe o lugar.
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(*) Guilherme Cadaval é formado em Filosofia pela UFRJ, onde concluiu mestrado e doutorado. Dedica-se aos estudos de Filosofia Francesa Contemporânea, especialmente as obras de Jacques Derrida, Georges Bataille e Maurice Blanchot. É autor de “Escrever a mágoa: um cruzamento entre Nietzsche e Derrida”.