Gustavo Conde (*) –
Algumas pessoas me perguntam: “por que você gosta tanto do Lula?” E eu respondo: ele não me deixa opção.
Eu tenho razões que extrapolam a mera constatação de que se trata do maior líder político da história. Aliás, esse fato é absolutamente irrelevante para descrever minha perplexidade diante deste homem.
Lula é um furo no sistema, é o improvável, o indomesticável, um ser irradiador de sentidos e afetos, o humano demasiado humano, o ente transcendental que lhe acaricia a alma porque lhe projeta a dimensão especular do estranhamento que é pertencer a este mundo, deste jeito e nessas condições.
Seu talento, para mim, não é ser um político ou líder, mas justamente ser um homem simples em toda a sua delicadeza de ser vivente, em sua generosidade, em seu poder de escuta, em seu gestual espontâneo que, nas cifras sutis do discurso, irrompem em nossa desumanidade, estilhaçando-a.
Eu gosto de Lula porque ele me faz ser um homem melhor, faz com que eu me sinta melhor, com que eu deseje ser melhor, com que eu queira produzir o bem para todos em minha volta e para mim mesmo.
Quando beijo o meu filho, quando afago um animal, quando rego minhas plantas, eu penso em Lula, mesmo sem querer. Penso na beleza de se ter um afeto e um vínculo desta dimensão com alguém que não se conecta a mim pelas vias habituais da proximidade física, mas pela linguagem, pela generosidade com o próprio sentido das palavras, pelo carinho e pelo caráter de fazê-las significar em toda a sua potência política e afetiva, como se cada uma delas fosse dotada da misteriosa humanidade possível que nos resta e que nos toca.
O cárcere político de Lula foi o cárcere subjetivo de todos nós. Quando Lula foi libertado, eu também me libertei – e tenho certeza de que muitos que me leem também se libertaram.
Quando punha a cabeça no travesseiro, todas as noites, eu me perguntava: será que ele está bem? Será que ele tem um bom travesseiro, uma boa coberta, um copo d’água ao lado?
Realmente não estamos falando de um líder político, estamos apenas falando de alguém que amamos, de alguém que nos conquistou amando a todos nós de uma só vez, sem distinção de raça, cor, credo ou mesmo classe.
Torna-se quase irrelevante mencionar que seu discurso histórico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo foi assustadoramente inteligente. Como alguém pode inverter o jogo político de um país inteiro de maneira tão abusada?
Eu sempre defendi uma tese de que a única pessoa com capacidade para enfrentar uma certa emissora de TV neste país era Lula. Confesso que, às vezes, duvidava dessa tese. Alimentava minha autocrítica perguntando: será?
Ontem, essa dúvida foi dissipada. Lula jogou iscas para Globo, Bolsonaro e Moro e os três as morderam com sublime inocência.
Lula simplesmente desafiou o helicóptero da Rede Globo, um lance semiótico que só os gênios máximos da persuasão podem sonhar utilizar. O helicóptero ali era o signo da covardia, a covardia de uma TV que não se atreve a chegar perto de seu adversário por medo, constrangimento e soberba.
Um helicóptero custa muito dinheiro. Lula enquadrou a Globo como a covarde rica que, depois de tudo, ainda mente para seu público merecidamente sofrido.
A resposta da Globo foi chocante, tanto pela ignorância quanto pelo falso orgulho. A Vênus oxidada acusou o golpe e ficou histérica como Bolsonaro já houvera ficado justamente com ela.
Não vale o desgaste do teclado do meu notebook transcrever a resposta da TV à provocação inteligentíssima de Lula. Falasse do helicóptero, Dona Globo! Em aulas de redação, a gente chamaria este objeto voador de ‘tema principal’, mesmo na sua condição metafórica. A Globo fugiu ao tema e tirou zero.
Com Bolsonaro, foi diferente. Lula deu uma delicada voadora no peito e tatuou em sua testa desnuda a alcunha agora eterna e irrespondível de ‘miliciano’.
A reação de Bolsonaro me faz crer que Lula realmente pode ser de outro planeta: o miliciano ameaçou ficar histérico, mas recuou e disse que “não irá responder”.
Ora, ora, ora, Lula calou a boca de Bolsonaro, apenas isso. Com uma frase. Coisa que nenhuma pessoa neste país, nem Globo, nem STF, nem Forças Armadas tiveram a capacidade de fazer diante do desfile dos horrores que se alastra por intermináveis 11 meses sob o signo da besta.
Moro foi na mesma direção. Mas, pobrezinho, Moro é muito mais solitário que Bolsonaro – ao passo que também tem alguns degraus a mais de educação formal. O que piora tudo. Resultado? Moro quase chorou dizendo “não brinco mais”.
Permitam-me especificar o contexto semântico (que extrapola o significante): Moro disse que “não responde a criminosos, presos ou soltos”. É a típica situação em que o responsável legal pelo ‘menino Sergio’ deveria dar a ele um pirulito ou um sorvete para aplacar a dor da humilhação.
Nenhum destes três entes acuados – Globo, Bolsonaro e Moro – produziram de fato uma resposta a Lula. A primeira passou recibo e os outros dois correram.
E aí, eu pergunto: como não amar Lula?
É um sentimento muito forte, realmente. Para quem gosta de literatura, de arte, de cultura e das complexidades embutidas na sede pelo conhecimento, Lula é simplesmente apaixonante.
É o ourives do sentido, o artesão da palavra, o malandro que faz você tropeçar na própria pretensão de ‘ganhá-lo’.
Eu gosto de Lula pelo que ele é, pelo caráter que ele tem e pela dignidade que ele transpira. Eu gosto de Lula pelo exemplo que ele dá, pela segurança que ele passa e pelo orgulho que ele tem de sua mãe, Dona Lindu, a saber, uma das coisas mais lindas e poderosas que esse mundo de Deus e da linguagem já tiveram a honra de produzir.
Ver e ouvir Lula dizer que sua mãe era analfabeta, que morreu analfabeta e que pelo fato de ela ser analfabeta é que ela pôde lhe ensinar aquilo que jamais se ensina em uma escola, que é o caráter, é uma das experiências éticas mais avassaladoras que uma pessoa digna pode vivenciar.
É por isso que eu gosto de Lula. Não é porque ele foi presidente, não é porque ele é o maior defensor da democracia no mundo, não é porque ele criou o maior partido de esquerda da América Latina, não é porque ele foi chamado de “o cara” pelo Obama, não é porque ele saiu da presidência com 87% de aprovação, não é porque ele tirou 36 milhões de pessoas da fome.
Eu gosto de Lula porque ele é um cidadão humilde, bem-humorado, amoroso, aguerrido e profundamente inteligente e talentoso.
Como eu disse no começo desta lauda: ele não me deixa opção.
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(*) Gustavo Conde é mestre em linguística pela Unicamp, editor e colunista do site Brasil 247.