"A vida é de quem se atreve a viver".


Peliano: “De fato, um horror o que estamos vivendo nessa quadra de um vôlei absurdo, sem rede, sem marcação de campo, sem bola, apenas poucos jogadores vestidos de verde-amarelo, bradando frases bíblicas que não combinam com nada”.
Um país despedaçado

José Carlos Peliano (*) –

Antes de começar a escrever pensei no título do texto e, de imediato, me veio a imagem do Brasil sendo destruído. Um país despedaçado. Triste conclusão, impensável anos atrás, desconfortável sentimento que, às vezes, nos dá ímpetos de reação para jogarmos tudo no ventilador ou fazer as malas e irmos daqui.

Respiro fundo, me sirvo com uma xícara de café e passo tudo a limpo enquanto bebo. De fato, um horror o que estamos vivendo nessa quadra de um vôlei absurdo, sem rede, sem marcação de campo, sem bola, apenas poucos jogadores vestidos de verde-amarelo, bradando frases bíblicas que não combinam com nada. A impressão que me fica é a de um bando de amalucados de repente com o poder constituído nas mãos. Daí fazem o que pensam, se é que pensam, ou se simplesmente repercutem entre si o nada com coisa nenhuma e transferem-nos para a nação atônita seguir ou cumprir.

Falo aqui da sensação de que vivemos uns dias descarrilhados. Eles continuam, cada vez pior, a ditar ordens e regras sem pé nem cabeça para a população, rebatem as opiniões contrárias com outros tantos absurdos, caçam cabeças e o pior, fica tudo por isso mesmo. Os outros dois poderes constituídos se aquietam, de vez em quando dizem uma coisa ou outra sem maiores repercussões e logo vem outro dia saindo dos trilhos.

Concordo com algumas análises feitas por gente do lado de cá, da turma dos surpreendidos, dos dias fora de rota, da vontade de sair correndo ou gritar feito loucos, rua afora, ou tentar dormir, se é que se consegue direito, para esquecer o hospício aberto pelo ajuntamento de gente que desgoverna o país.

O argumento central dessas análises é o de que a loucura reinante na república das bananas resulta das loucuras guardadas há anos na vida de cada um de nós. Uns loucos presentes, de pedra, outros loucos ausentes, não estão nem aí para nada, por fim os loucos sonhadores, os muitos de nós que sonham por um país melhor há tempos.

Os primeiros já vinham dizendo e fazendo coisas sem pé nem cabeça, mas que nós os julgávamos sem qualquer verniz político para avaliar a realidade e não dávamos a devida conta. Os segundos, as vestais do pedaço, viviam encerrados em si, sem dar atenção para quem passava ou sofria ao lado, para não se comprometerem ou não questionarem suas posições humanitárias e políticas mal elaboradas. Por fim, os ditos “quixotes”, aqueles, como eu e uma enxurrada de amigos e conhecidos entre tantos mais, que tinham ideias, de fato, para um país melhor, sem desigualdade, racismo, machismo, escravagismo, libertário, ecologicamente corretos, sustentavelmente progressistas.

A convivência desses tipos acabou por esbarrar entre todos eles na falta de diálogo, solidariedade, compreensão, ajuda mútua, civilidade. Bastou uma voz dissonante, diferente do usual, bradar palavras de desordem por todos os cantos, para servir de aglutinadora de raivas contidas, apreensões acumuladas, projetos desfeitos, ao fim um conjunto de sofrimentos e medos à flor da pele. Mesmo fora de qualquer ordem! Um estopim que espalhou uma explosão de insatisfações pelos quatro cantos do país.

Claro que o palco foi sendo armado para que esse desfecho perturbador acontecesse. Grupos políticos contrários ao governo, que contribuiu para a melhoria de vida dos mais pobres, começaram a se aproximar para derrubá-lo por uma farsa gigantesca que redundou no impedimento da então Presidência da República.

Daí em diante a bola de neve veio trazendo tudo morro abaixo e principalmente as garantias sociais constitucionais básicas. Nada mais aos mais pobres, tudo o mais aos mais ricos. Os direitos repassados à base da pirâmide social brasileira por meio do Bolsa Família, Previdência Social, FGTS, Farmácia Popular e tantos outros, vieram sendo apequenados um por um em benefício de liberar recursos orçamentários para os mais aquinhoados, via empréstimos de bancos públicos, financiamento da dívida pública, vantagens e benefícios fiscais e venda de patrimônios públicos.

Tudo isso comandado por um capitão que foi retirado precocemente do exército por mau comportamento interno, tendo inclusive imaginado por em prática explosões na rede de fornecimento de água do Estado do Rio de Janeiro. Virou político que por 20 anos de mandato somente apresentou 3 projetos de lei na Câmara.

Certamente não foi eleito pelo currículo, mas por amalgamar o rosário de lamentações de eleitores. Entre essas as dos mais furiosos, racistas, machistas, misantropos, segregacionistas. Outras, as dos “sem pai, nem mãe”, tipo nossas vidas vão mal porque o governo não faz nada, mesmo que não tivessem uma causa específica para reclamar. Ainda outras, as dos contras ao governo popular do PT, especialmente contra a figura de Lula, odiado pelos que nunca o admitiram presidente. Por fim, as dos grupos deslocados no tempo e no espaço que, ao não terem convivido de perto com a ditadura, pediam sempre a volta dos militares ao poder para porem “ordem na casa”. A grande mídia comandou todos esses por muitos noticiários desvirtuados e encomendados.

Difícil desatar o nó e tentar unir todas essas pontas. Enquanto o despedaçamento das conquistas do país ainda tem apoio em boa parte dos eleitores por acharem que tudo ainda está bem, mesmo que muitos não saibam sequer o que estão dizendo, a reação ao quadro caótico de coisas fica a desejar porque as instituições estão dominadas pelo mesmo ranço tresloucado, incluindo a ordem jurídica vacilante. Mas também porque o massacre político diuturno sobre o PT, nesses anos todos, desmobilizou boa parte de seus apoiadores e simpatizantes. Os que ainda restaram convictos de pé não somam o suficiente para enfrentar à altura o manicômio nem voltar a mobilizar os desgarrados, embora poucos grandes políticos da oposição ainda guerreiem cotidianamente.

O que sobra de todas essas pontas é a visão de um espantalho. Onde governo, os outros poderes e a sociedade convivem em separações políticas e visões de país desconectadas. Uma mistura de personalidades sem sonhos para a sociedade onde vivem. Doses e doses de neoliberalismo engolidas que tiram o equilíbrio, deturpam a visão e levam sempre a superar o próximo, seja ele qual for, para se obter qualquer tipo de vantagem ou manter o status quo. Um salve-se quem puder, cardápio predatório.

O que a maioria não se dá conta é que por debaixo dos panos, a produção nacional está se esfacelando também, os postos de trabalho, por isso mesmo, estão rareando, e os salários deixam de existir ou minguam. O desemprego aumenta. Daqui a pouco começam a chegar os estrangeiros com suas fábricas, trabalhadores qualificados e sistemas informatizados. O país deixará de ser dono de seu nariz, seremos comandados por outros. Viveremos num país colonizado.

Uma réstia de luz vem de uma velha conhecida que pode iluminar pouco agora, mas muito mais no futuro, ajudando a costurar aos poucos uma tessitura social, política e econômica forte, genuína, autêntica e libertária. A cooperativa de trabalho e de produção. Reconstruir de baixo uma nova estrutura social e econômica, mesmo que pequena, incipiente, para ajudar a preparar para o futuro uma nova economia com líderes políticos representativos vindos direto do povo, não de grupos dominantes.

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(*) José Carlos Peliano é economista, poeta e escritor.

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