Romário Schettino -
É impressionante a desfaçatez, a cara de pau, de articulistas da grande imprensa brasileira. Continuam insistindo que a culpa do fracasso de Michel Temer é dos governos do PT.
Falam e escrevem como se não tivesse havido um golpe parlamentar que levou ao poder um programa que perdeu as eleições de 2014 e colocou no lugar um governo composto por todos aqueles que confessaram a vontade de estancar a sangria da Lava Jato.
Defendem um governo ilegítimo, desmoralizado, insustentável, que envia para o Supremo Tribunal Federal um aliado com o objetivo de defender seus interesses mais escabrosos. Toda a grande imprensa acha isso normal.
O mesmo STF que impediu a posse de Lula como ministro de Dilma permite que Temer mantenha o gato Angorá (Moreira Franco) como ministro, citado na Lava Jato, com o objetivo, exclusivo, de dar a ele o foro privilegiado.
Nem disfarçam mais. Esses jornalistas afirmam diariamente que a quebradeira de alguns governadores é culpa da presidenta Dilma Rousseff, que abriu as torneiras para se reeleger em 2014.
Esquecem, propositalmente, a roubalheira no Estado do Rio de Janeiro, as trapalhadas políticas e administrativas no Espírito Santo, Amazonas, Rio Grande do Norte. Falam como se o crime organizado não estivesse atuando nas barbas do Ministério da Justiça.
De quem é a culpa? Ah, é da Dilma que tinha Temer como vice na chapa eleita? O vice decorativo foi inflado, ganhou força e derrubou a presidenta “democraticamente”.
É por isso que o escritor Raduan Nassar diz que vivemos “um momento sombrio” no Brasil. E com razão.
Consolidado o golpe, o desemprego aumentou porque Dilma fez isso e aquilo. A violência explodiu por culpa dos governos petistas.
A “redução” dos gastos públicos é comemorada por esses jornalistas porque o PT estava levando o Brasil para o precipício com excesso de proteção social.
Os artigos seguem nessa lenga-lenga até a divulgação, pela CNT, de uma pesquisa colocando o ex-presidente Lula na frente em todas as simulações de intenção de voto. Aí o ódio ao PT sobe vários graus.
Sempre acham um jeito de desmerecer os resultados da pesquisa.
Não acho que a grande imprensa tenha a obrigação de ser simpática ao partido de Lula, mas o mínimo de cuidado com o interesse público deveria ser levado em conta, especialmente pela radiodifusão, que é uma concessão do Estado.
As redes sociais cumprem um papel restrito na divulgação da diversidade de opiniões. É importante, mas não se contrapõe, pelo menos por enquanto, ao massacre diário das emissoras de rádio e televisão concentradas em poderosos oligopólios.
Os grandes jornais impressos também estão na internet ocupando, cada vez mais, os espaços na difusão de conteúdos. A disputa é desigual.
No Brasil de hoje, a esquerda e a direita estão cada vez mais expostas, assim como os seus extremos.
O grande perigo é a falta de responsabilidade pública dos comunicadores, articulistas, repórteres, editores, que pode favorecer radicalismos exacerbados.
Agindo assim, essa imprensa passa a ideia de que ninguém presta, político é tudo igual e que, portanto, a única saída talvez seja a volta do regime militar com o aprofundamento do golpe de Estado.
Não há nada mais perigoso do que a criminalização da política. Historicamente, essa prática nefasta abriu espaço para os regimes totalitários.
O caldeirão pode explodir e, depois, não adianta chorar o leite derramado.