Pedro Tierra (*) -
A resistência ao golpe de Estado de 2016 que depôs a presidente eleita Dilma Rousseff, deslocou seu centro mais dinâmico para as lutas sociais. Dentro do Parlamento, em que pese o empenho e a valentia de deputados e senadores que representam a esquerda e os interesses dos setores populares progressistas, fomos derrotados por uma correlação de forças desigual com tendência a se fortalecer.
E não apenas pelos motivos ideológicos que moveram os cordões para consumar o golpe, mas pelo caráter fisiológico da formação que sustenta o governo usurpador, agora ocupada em negociar espaços nos ministérios e empresas estatais. Até aqui, dentro do Parlamento, o governo só perdeu para o próprio governo.
O golpe de Estado lançou o país na instabilidade econômica, medida pela elevação das taxas de desemprego, redução da atividade industrial, do consumo e pelo endividamento das famílias.
Contrariando as expectativas dos conspiradores, o golpe não pacificou o país, atirou-o na vertigem da turbulência política – um ministério acossado permanentemente por denúncias de corrupção – alimentada a cada anúncio de delação premiada, o que bloqueia o caminho para construir, com o empenho da mídia neoliberal associada, a credibilidade necessária para se afirmar como governo.
O golpe mergulhou o país no caos administrativo como revela a crise do sistema penitenciário que exibe o grau de improvisação do governo golpista na busca de soluções para por fim à barbárie instalada pelas facções criminosas, quando anuncia a utilização das Forças Armadas para fazer revista nos presídios.
Nascido da violação da Carta de 1988, o golpe nos atirou na incerteza institucional que resulta do desequilíbrio entre os poderes. Quando se criminaliza a política, a democracia evapora e o Judiciário sofre uma hipertrofia e assume a condição de poder tutelar sobre os demais poderes e sobre os cidadãos.
Hoje, no Brasil, os conflitos políticos se resolvem – ou não se resolvem... – cada vez com maior frequência, à margem da regra, no Judiciário. O que configura, como já afirmamos aqui, a ditadura da toga.
Se para os setores populares a tarefa central é a derrubada do governo golpista, ilegítimo, empenhado em mobilizar sua base parlamentar para investir frontalmente contra os direitos conquistados pelos trabalhadores, impressos na Constituição de 88 e convertidos em realidade nos governos Lula e Dilma, é necessário um debate corajoso sobre a tática parlamentar a ser seguida pelas bancadas dos partidos na Câmara dos Deputados e no Senado Federal.
A eleição das mesas diretoras das duas Casas nesse início de fevereiro de 2017 encontra o Partido dos Trabalhadores, o partido que liderou a frente que sustentou os governos Lula e Dilma numa situação duplamente complicada: isolado internamente nas duas Casas e questionado severamente por suas bases sociais – basta examinar os resultados das eleições nos municípios, em novembro último – tanto do ponto de vista da moralidade pública, como do programa e das alianças que estabeleceu durante os quatro mandatos à frente do país.
Desvincular a condução tática para a disputa de posições nas Mesas da Câmara e do Senado, das mobilizações e lutas populares vem ocorrendo desde a consumação do golpe, em agosto passado, é por o pé numa armadilha.
O governo golpista só recuou – ainda que momentaneamente – dos seus propósitos quando se viu frente a mobilizações populares, seja dos adolescentes nas escolas ocupadas, seja pela pressão dos movimentos sociais dos trabalhadores em defesa de direitos conquistados.
Optar por um entre dois candidatos golpistas na Câmara dos Deputados, em nome da participação efetiva na formulação da pauta legislativa é ignorar o que ocorreu no último ano, sob a presidência de Eduardo Cunha e Rodrigo Maia e é atribuir à disputa parlamentar um papel que ela não desempenha no combate ao governo usurpador.
Cumpre, portanto, aos dirigentes do PT e das bancadas desviar por um instante os olhos da Mesa e fixá-lo nos movimentos sociais mais avançados – MST, Centrais Sindicais, MTST, Universidades, movimentos juvenis – eles todos empenhados num combate radical ao golpe e sua ofensiva sobre os direitos sociais conquistados, sem poupar adjetivos para denunciar a desmoralização do Parlamento e seu compromisso com a farsa do impedimento da presidente eleita.
Se os Partidos de esquerda, em particular o Partido dos Trabalhadores, que pretendem representar os interesses da base da sociedade desejam reatar seus laços com os setores sociais que combatem o golpe de Estado e recuperar o discurso contra o governo usurpador, não há outro caminho senão unificar-se em torno de uma chapa na Câmara e no Senado com o objetivo de denunciar a marcha para a barbárie que o golpe de estado neoliberal desencadeou no Brasil, a partir de 31 de agosto de 2016.
Oferecerão assim uma contribuição aos movimentos sociais dos trabalhadores, centrais sindicais, mulheres, segmentos LGBTs, estudantes, universidades que constituem a base social de resistência ao golpe.
Insistir na tática parlamentar, pretensamente esperta, de apostar em uma das candidaturas golpistas, isolada dos movimentos de massa organizados na sociedade, para ocupar espaços legítimos nas mesas ou nas Comissões é por o pé numa armadilha, de antemão anunciada e denunciada pelos próprios movimentos dos trabalhadores.
Alguém aí acha que o Parlamento brasileiro vai derrubar o Temer?
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(*) Pedro Tierra é poeta e militante do Partido dos Trabalhadores desde a fundação.