"A vida é de quem se atreve a viver".


Fátima Bezerra (PT), governadora do Rio Grande do Norte, uma das assinantes do manifesto que denuncia o negacionismo de Bolsonaro como prática permanente, insistindo em não reconhecer a grave crise sanitária enfrentada pelo Brasil.
Um basta à loucura do presidente

Os nove governadores do Nordeste divulgaram ontem (12/6) uma carta aberta em que contestam, veementemente, a atitude do presidente Jair Bolsonaro de incentivar a invasão de hospitais país afora.

Nesta quinta-feira (11/6), em um vídeo que distribuiu nas redes sociais, Bolsonaro pede aos seus seguidores que entrem de “qualquer maneira nos hospitais públicos para ver se estão funcionando e se os gastos são compatíveis com o serviço prestado à população”. Logo em seguida vários bolsonaristas, sem nenhuma autorização prévia, invadiram hospitais, desrespeitaram médicos e enfermeiros, quebraram equipamentos e provocaram o terror.

Um grupo formado por pelo menos seis pessoas invadiu e depredou, nesta sexta-feira, 12/6, o Hospital Ronaldo Gazolla, referência no tratamento da Covid-19, no Rio de Janeiro. Segundo o jornal O Globo, essas pessoas seriam parentes de um paciente que faleceu na unidade, vítima do novo coronavírus e estavam revoltadas com a possibilidade de leitos vazios nos hospitais. De acordo com o jornal, “eles gritavam, pelo quinto andar da unidade, que tinham direito de verificar os leitos, para ver se estavam mesmo ocupados, e por vezes, ainda segundo relatos de quem presenciou tudo, também berravam: ‘Mentira! mentira!'”

Uma mulher integrante do grupo teria chutado portas, derrubado computadores e até tentado invadir leitos de pacientes internados.

O doutor Alex Telles, médico do hospital e presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (Sindmed), contou que as pessoas invadiram a unidade de maneira muito agressiva e destacou: ”Com o discurso do presidente, de que é pra dar qualquer jeito para entrar em hospital, infelizmente a tendência é que as pessoas se sintam cada vez mais autorizadas a desrespeitar as normas. Nós estamos ali cuidando das pessoas, sobrecarregados e somos vítimas disso tudo”.

Na tarde de 4/6, a enfermeira Carla, que trabalha no Hospital de Campanha do Anhembi, em São Paulo, disse à imprensa que notou uma movimentação estranha enquanto voltava do horário de almoço. "Havia muitas pessoas na porta. Observei muita gente entrando no hospital sem colocar a roupa própria para proteção", relata a profissional de saúde à BBC News Brasil.

Pouco depois, ela descobriu que se tratava de uma "invasão" de deputados estaduais de São Paulo ao hospital. Mesmo sem autorização, eles tentavam entrar no local para, segundo os parlamentares, "fiscalizar" e "apurar possível má utilização de recursos públicos".

"Eles agiram como se os profissionais de saúde fossem criminosos. Nos sentimos desrespeitados. Foi uma situação vexatória. Não poderiam fazer aquilo. É importante fiscalizar o uso de dinheiro público, mas aquela não era a forma correta para fazer isso", declara Carla.

Deputados estaduais bolsonaristas também invadiram as obras do hospital de campanha do Maracanã e provocaram balbúrdia no local. O descontrole é total. E o pior, é incentivado pelo presidente da República.

Diante desse descalabro, os governadores do Nordeste disseram que “não é invadindo hospitais e perseguindo gestores que o Brasil vencerá a pandemia”, que já matou mais de 41 mil pessoas no país.

A seguir, a íntegra da carta dos governadores do Nordeste:

 “Os governadores de Estado têm lutado fortemente contra o coronavírus e a favor da saúde da população, em condições muito difíceis.

Ampliamos estruturas e realizamos compras de equipamentos e insumos de saúde de forma emergencial pelo rápido agravamento da pandemia. Foi graças à ampliação da rede pública de saúde, executada essencialmente pelos Estados, que o país conseguiu alcançar a marca de 345 mil brasileiros recuperados pela Covid-19 até agora, apesar das mais de 41 mil vidas lamentavelmente perdidas no país.

Desde o início da pandemia, os Governadores do Nordeste têm buscado atuação coordenada com o Governo Federal, tanto que, na época, solicitamos reunião com o Presidente da República, Jair Bolsonaro, que foi realizada no dia 23/3/2020, com escassos resultados.

O Governo Federal adotou o negacionismo como prática permanente, e tem insistido em não reconhecer a grave crise sanitária enfrentada pelo Brasil, mesmo diante dos trágicos números registrados, que colocam o país como o segundo do mundo, com mais de 800 mil casos.

No último episódio, que choca a todos, o presidente da República usa as redes sociais para incentivar as pessoas a INVADIREM HOSPITAIS, indo de encontro a todos os protocolos médicos, desrespeitando profissionais e colocando a vida das pessoas em risco, principalmente aquelas que estão internadas nessas unidades de saúde.

O presidente Bolsonaro segue, assim, o mesmo método inconsequente que o levou a incentivar aglomerações por todo o país, contrariando as orientações científicas, bem como a estimular agressões contra jornalistas e veículos de comunicação, violando a liberdade de imprensa garantida na Constituição.

Além de tudo isso, instaura-se no Brasil uma inusitada e preocupante situação. Após ameaças políticas reiteradas e estranhos anúncios prévios de que haveria operações policiais, intensificaram-se as ações espetaculares, inclusive nas casas de governadores, sem haver sequer a prévia oitiva dos investigados e a requisição de documentos.

É como se houvesse uma absurda presunção de que todos os processos de compra neste período de pandemia fossem fraudados, e governadores de tudo saberiam, inclusive quanto a produtos que estão em outros países, gerando uma inexistente responsabilidade penal objetiva.

Tais operações produzem duas consequências imediatas. A primeira, uma retração nas equipes técnicas, que param todos os processos, o que pode complicar ainda mais o imprescindível combate à pandemia. O segundo, a condenação antecipada de gestores, punidos com espetáculos na porta de suas casas e das sedes dos governos.

Destacamos que todas as investigações devem ser feitas, porém com respeito à legalidade e ao bom senso. Por exemplo, como ignorar que a chamada “lei da oferta e da procura” levou a elevação de preços no MUNDO INTEIRO quanto a insumos de saúde?

Ressalte-se que, durante a pandemia, houve dispensa de licitação em processos de urgência, porque a lei autoriza e não havia tempo a perder, diante do risco de morte de milhares de pessoas.

A Lei Federal 13.979/2020 autoriza os procedimentos adotados pelos Estados.

Estamos inteiramente à disposição para fornecer TODOS os processos administrativos para análise de qualquer órgão isento, no âmbito do Poder Judiciário e dos Tribunais de Contas. Mas repudiamos abusos e instrumentalização política de investigações. Isso somente servirá para atrapalhar o combate ao coronavírus e para produzir danos irreparáveis aos gestores e à sociedade.

Deixamos claro que DEFENDEMOS INVESTIGAÇÕES sempre que necessárias, mas de forma isenta e responsável. E, onde houver qualquer tipo de irregularidade, comprovada através de processo justo, queremos que os envolvidos sejam exemplarmente punidos”.

Assinam esta carta:

Rui Costa
Governador da Bahia
Renan Filho
Governador de Alagoas
Camilo Santana
Governador do Ceará
Flávio Dino
Governador do Maranhão
João Azevedo
Governador da Paraíba
Paulo Câmara
Governador de Pernambuco
Wellington Dias
Governador do Piauí
Fátima Bezerra
Governadora do Rio Grande do Norte
Belivaldo Chagas
Governador de Sergipe

Associação cobra posição do CFM e da FENAM

Ainda sobre a invasão dos hospitais de campanha por bolsonaristas, estimulados pelo presidente Bolsonaro, a Associação de Médicas e Médicos pela Democracia, divulgou hoje, 13/6, em Fortaleza (CE), uma nota cobrando posição do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Associação Médica Brasileira (AMB).

A seguir, a íntegra da nota da ABMMD:

“A Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD) vem por meio desta clamar por um posicionamento urgente do Conselho Federal de Medicina (CFM), da Associação Médica Brasileira (AMB), da Federação Nacional dos Médicos (FENAM), dos Sindicatos Médicos de todo Brasil e de todos os Sindicatos representativos de trabalhadores da Saúde, em defesa da vida, da dignidade humana, de nós, médicas e médicos, e de todos os profissionais que compõem a força de trabalho em saúde do país, face a mais uma demonstração da necropolitica implementada pelo presidente Jair Bolsonaro.

Seguindo o rumo de seus nefastos pronunciamentos, onde o desdém às vítimas do covid19 predomina, a ponto de ignorar reiteradamente o número crescente de mortos pela doença, na última quinta-feira, 11 de junho, convocou seus apoiadores a invadir hospitais, filmar e coagir profissionais de saúde, colocando em risco a saúde e direito a privacidade de cidadãos brasileiros.

Em decorrência desta má conduta, no dia 12 de junho de 2020, o Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, referência para atendimento a Covid no Rio de Janeiro, foi invadido e depredado por seguidores do presidente, sob o pretexto de verificar a disponibilidade de leitos.

São pessoas movidas pelo obscurantismo e que já atravessam a fronteira da razão, do bom senso e do respeito. É inaceitável a invasão de um ambiente hospitalar, onde são acolhidas pessoas debilitadas e portadores de doenças infecto-contagiosas, a violação da privacidade dos internos, a destruição de equipamentos necessários aos cuidados em saúde, a exposição de médicos e demais profissionais (que já enfrentam cotidianamente a falta de condições adequadas para autoproteção e manejo adequado de seus pacientes), trazendo riscos adicionais e  completamente injustificáveis a todos. Instigar o ódio aos serviços de saúde e seus trabalhadores, principalmente durante a grave crise sanitária que atravessamos, é um ato criminoso.

Frente tamanha afronta a médicas e médicos, trabalhadoras e trabalhadores da saúde e seus pacientes e ao grave perigo que, sob vários aspectos, tal convocatória submete a saúde da população brasileira, é inadmissível o silêncio e a omissão das entidades representativas destas categorias.  É imprescindível uma reação à altura a fim de preservar vidas humanas, ao direito à saúde bem como a dignidade e a integridade física e psíquica dos profissionais, evitando prejuízos ainda maiores e talvez  irreversíveis à nossa sociedade .

Instamos, pois, que as instituições acima citadas se coloquem veementemente contra esta convocatória do senhor Presidente da República cuja intenção é, mais uma vez, somente obscurecer a trágica realidade de uma doença grave, que se alastra por todo território nacional, responsável por bem mais que 40 mil mortes, assim como assumam uma posição clara e firme, junto a outros setores e instituições democráticas, para que, diante da pandemia de Covid-19, o Presidente, respeitando rigorosamente as recomendações científicas e o decoro do cargo, cumpra com seu dever constitucional de zelar pelo bem-estar, pela saúde e pela vida de seu povo”.

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