João Lanari Bo -
Em junho de 2013 veio à luz na mídia um personagem retraído, de voz grave e determinado, munido de um certo nervosismo: Edward Snowden.
Passados três anos, Oliver Stone nos brinda com um relato dessa aventura prometeica de um hacker suave, leitor de Henry Thoreau (aquele que pregou a desobediência civil individual como forma de oposição legítima frente a um estado injusto).
“Snowden, herói ou traidor”, é o contundente filme de Oliver Stone [em cartaz no Cine Cultura Liberty Mall]. Depois das revelações assombrosas do rapaz tímido e pálido, ficamos com a sensação de que a guerra está em todo lugar, ela é cibernética.
Afirma o diretor: “fica mais perigoso porque você não sabe quem começou, quem mandou a mensagem, quem mandou o vírus, quem começou tudo isso".
Um belo dia, com 29 anos, Edward resolveu baixar uma quantidade enorme de arquivos e chutar o balde. Fria e calculadamente, catapultou para o tradicional “The Guardian” um derrame de informações das atividades secretas do governo norte-americano, com um potencial desestabilizador absolutamente imprevisível.
Foi dada a partida, de contornos bíblicos: o indivíduo (Snowden) contra o Estado (Leviatã).
O cálculo previa a divulgação periódica de informações, agrupadas por áreas, que convergem para a revelação de um projeto colossal de vigilância global, sob a batuta da NSA, a poderosa “National Security Agency”.
Presidentes e líderes globais, cidadãos e cidadãs, estamos todos humilhados e ofendidos. Dos telefones celulares à espionagem industrial, passando por cartões de crédito e redes sociais, tudo é vulnerável, afirma Snowden.
“Citizenfour”, o documentário de Laura Poitras, vencedor do Oscar de 2014, mostrou o modesto herói às vésperas de tornar-se celebridade, em um quarto de hotel em Hong Kong, junho de 2013.
No dia seguinte ao vazamento, na esquina do hotel, um telão enorme exibia sua imagem. Tal como na internet, território que lhe é familiar, Edward tornou-se viral.
O filme de Stone reproduz esses momentos, filme dentro do filme, assim como a trajetória de desencanto que lhe sobreveio, de patriota a serviço da CIA a terceirizado da NSA. Seu último emprego foi no Havaí, monitorando e aniquilando hackers chineses, e ganhando um belo salário.
Uma legião de seguidores aderiu espontaneamente a esse Prometeu moderno, que arriscou tudo para iluminar a humanidade. No Central Park foi-lhe concedido um busto, destruído impiedosamente poucas horas depois pela polícia (o “establishment” político e militar insiste em acusa-lo de “covardia e traição”).
Obama, apesar dos vacilos habituais, terminou vetando operações espetaculares de resgate e Edward vive hoje na Rússia de Putin, em Moscou. Foi o mínimo que podia fazer, ele que tanto inspirou e tanto decepcionou Snowden. Imagine-se como seria na era Trump...
Segundo o “New York Times”, a era pós-Snowden “não somente liquidou esforços para expandir a legislação (“Patriot Act”), como também fez com que países em todo o mundo criassem suspeitas sobre qualquer peça de hardware e software de origem americana, de smartphones a servidores, que pudessem ter ‘back doors’ para os serviços de inteligência dos EUA”.
Empresas gigantes como Apple e Cisco se viram ameaçadas, os chineses retaliaram. Um singular e desiludido indivíduo é capaz de gerar esse tsunami.
Para muitos ele é um mito, para outros é um covarde. Na era da internet, é de esperar-se novas denúncias – Snowden fala o tempo todo “nos outros que seguirão meu exemplo”. “Citizenfour” acertou no milhar: como dizem na TV, “stay tuned for citizenfive”.