"A vida é de quem se atreve a viver".


Heriberto Porto (na foto de Adalberto Carvalho): “A fama duradoura - diria eterna - do disco Clube de Esquina se deve menos à divulgação da mídia do que à capacidade dos jovens de ainda escolherem aquilo que é melhor para se escutar”.
Os sonhos do Clube da Esquina não envelheceram

Heriberto Porto (*) -

Este é um momento que eleva a música do Clube da Esquina ao patamar de movimento musical, reconhecido na história da música brasileira como nunca foi.  São 50 anos do disco que inaugurou o movimento e este é o ano em que o seu principal representante, Milton Nascimento, completa 80 anos e anuncia seu afastamento dos palcos, depois de fazer a última turnê.  Também participa desta confluência, que estabelece 2022 como marco, o fato do disco Clube da Esquina ter sido considerado o melhor disco brasileiro de todos os tempos, em uma lista recente onde participaram 162 especialistas de diversas áreas.  Essa lista foi publicada no podcast Discoteca Básica, considerado um dos melhores do Brasil.

Mas o que significa o Clube da Esquina para a música brasileira?

O nome Clube da Esquina surgiu de uma esquina onde Lô Borges encontrava seus amigos no Bairro Santa Tereza de Belo Horizonte, no final dos anos sessenta.

Já o movimento musical, liderado pelo genial Milton Nascimento, começou em 1970, durante a gravação do disco Milton.  Esse disco teve como base o grupo instrumental Som Imaginário (Wagner Tiso, Tavito, Novelli, Zé Rodrix, Robertinho Silva, Luiz Alves e Fredera) com as participações dos mineiros Lô Borges e Toninho Horta. Aí se formava o embrião do Clube da Esquina, cariocas e mineiros. O disco Clube da Esquina de 1972 é assinado por Milton e Lô Borges e conta com a mesma formação do anterior, além de Beto Guedes, Alaíde Costa e o próprio Lô Borges como cantores e Eumir Deodato e Wagner Tiso como arranjadores. Este disco comporta muitas particularidades: a sonoridade multidimensional da mixagem, a gravação em apenas dois canais (!!!), a distribuição das músicas em forma de “trilha sonora”, onde cada música é a continuação da outra, além da reunião de músicos de diversas procedências, com distintas influências. Esse foi o caldeirão que iria influenciar diversas gerações de músicos, compositores, poetas e cantores.

Surgia ali uma música que nem era rock, nem regional, nem bossa nova, nem erudita, nem jazz, nem samba, mas era tudo junto, com um tratamento instrumental e musical muito novo. O mago percursionista Robertinho Silva nos trouxe os ecos da África vindos de Minas e não do Rio ou da Bahia. Era a marujada, era o congado chegando pela primeira vez em nossos ouvidos.  A harmonia de Toninho Horta, ousada, diferente, influenciou músicos do mundo inteiro, e segue influenciando até hoje.  Pairando sobre esta instrumentação pós-moderna, a voz forte, o falsete limpo e lindo de um anjo chamado Milton Nascimento.  Para completar, cito os poetas Ronaldo Bastos e Fernando Brant e Márcio Borges como os parceiros nas composições que marcaram os sonhos de muitos jovens desde 1972. 

Este disco, junto com os outros do Milton Nascimento (até 1981), e os discos da “turma do clube” ( Lô Borges, Beto Guedes, Wagner Tiso, Novelli, Nelson Ângelo, Toninho Horta, Flávio Venturini, Tavito...) que seguiram depois, confirmam o movimento Clube da Esquina como um dos mais importantes já surgidos no Brasil. Durante muito tempo se via a  “ nova música brasileira” restrita à Bossa Nova e à Tropicália, sem considerar este movimento tão musical que reverberou até novos compositores como Simone Guimarães, Sérgio Santos, Renato Braz e tantos outros.

A fama duradoura - diria eterna - do disco Clube de Esquina se deve menos à divulgação da mídia do que à capacidade dos jovens de ainda escolherem aquilo que é melhor para se escutar, da beleza de sempre querer cantar/sonhar juntos: Tudo que Você Podia Ser, O Trem Azul, Um Girassol da Cor de seu Cabelo e Nada Será Como Antes.
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(*) Heriberto Porto é flautista e toca na Marimbanda. É professor do Curso de Música da UECE e doutorando em música pela Unicamp.

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