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Rádio Cultura FM 100,9 do DF: Onde colaborador não vale nada

Dioclécio Luz (*) –

Produtores, jornalistas e radialistas que há anos atuam voluntariamente - sem qualquer vínculo profissional ou remuneração na Rádio Cultura FM 100,9 do Distrito Federal - foram vetados no mais recente edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC - BSB Multicultural 2021), na linha de Radiodifusão. O texto diz que qualquer um pode se habilitar ao FAC, menos servidores da Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) do Distrito Federal e... colaboradores da Rádio Cultura.

Os colaboradores representam mais de 91% dos programas veiculados diariamente. Ao todo, são 11 programas educativo-culturais produzidos e apresentados de forma voluntária e que contribuem para a divulgação da cena cultural do Distrito Federal. Apenas um programa da rádio não é feito a partir dos profissionais voluntários. A atuação desses profissionais corresponde a 36 horas de programação semanal, o equivalente a quase 20% da programação total da Rádio Cultura.

Se esses colaboradores saem da rádio, como parece ser o objetivo da atual gestão, a Rádio Cultura converte-se no que se entende em rádio por “caixinha de música” – uma rádio que não tem programas, mas só músicas tocando.

Em 2016 os colaboradores da rádio reivindicaram junto à Secec, uma linha de fomento para radiodifusão que contemplasse e valorizasse o trabalhado que faziam. A Secretaria foi sensibilizada e se criou um FAC que incorporava a radiodifusão no DF, incluindo os programas da rádio Cultura e as rádios comunitárias. A vitória foi resultado de uma luta coletiva dos radiodifusores que contou com apoio da diretoria da rádio na época, reconhecida como justa pelo então secretário Guilherme Reis e seus assessores. Hoje, pelo contrário, os colaboradores sabem que não podem contar com o apoio da direção atual.

Em 2020 surgiram restrições ao FAC para os colaboradores da rádio Cultura. A direção não cuidou de informar. Por motivos não claros, eles foram impedidos de concorrer ao edital do FAC, na linha Radiodifusão.

Consta no item 13.2.1 do edital, alínea h), que o colaborador voluntário vinculado à Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal não pode participar de nenhuma categoria da área de radiodifusão.  Em outras palavras: um marciano pode participar, não pode quem trabalha de graça na rádio.

Diante da importância da manutenção desses programas educativo-culturais, que tanto agregam qualidade e diversidade à programação da Rádio Cultura FM e potencializam e impulsionam a cena cultural local, os colaboradores afetados pela decisão da SECEC repudia veementemente a não contemplação no edital. A decisão não apenas fragiliza o setor cultural e artístico, como também desrespeita os profissionais de rádio e cultura que há anos se dedicam voluntariamente em favor da cultura da cidade.

É importante observar que em nenhum momento os colaboradores da Rádio Cultura foram informados que tratativas estavam sendo feitas na construção de um edital que os excluía do processo. A atual direção não teve o mínimo de hombridade e respeito com quem mantém os programas da rádio, gente que frequenta a casa há mais de 20 anos, como muitos.

Não bastasse esse desprezo na construção do FAC, a direção da emissora fez mais. Novamente em surdina, redigiu um edital especial chamando “voluntários” para produzir programas para a emissora. Os colaboradores mais uma vez não foram consultados – só ficaram sabendo desse edital pela imprensa. Por acaso, descobriram que o edital dizia respeito a eles. Sim, os produtores de programas que estavam no ar também deveriam fazer um novo cadastramento, conforme as regras desse edital. Porque a direção não lhes informou.

A história se repete: se a atual direção tivesse tido um mínimo de respeito com os colaboradores, antes teria alertado os profissionais sobre o que estava sendo feito, discutiria o edital, faria um texto adequado, encaminharia o edital depois de publicado, e informaria que todos deveriam se cadastrar. Não fez nada disso! Não telefonou, não mandou mensagem, não conversou.

Deve-se observar que a redação do edital é confusa, repleta de falhas. A mais evidente é: ele pede para que os interessados enviem uma pequena amostra do seu programa para ser avaliado por uma comissão. Ora, há onze programas no ar. Mas, conforme o edital, os colaboradores devem enviar resumos de programas no ar para mostrar à rádio como são os projetos de programas que podem ir ao ar?!

De fato, não se trata de insensatez, mas de uma visão limitada da atual gestão da emissora, corroborada pela Secretaria de Cultura do DF. Criaram a imagem de que “colaborador” ou “voluntário” não faz parte da rádio, logo não opina em nada, nem precisa saber de nada. Usando uma expressão vulgar: “voluntário” da rádio cultura é o cocô do cachorro do bandido. O desprezo e o desrespeito com quem colabora com a Rádio Cultura reflete uma visão atrasada de gestão e de relacionamento com as pessoas.

A atual gestão demonstra desconhecer a rádio e sua história; desconhece o que é o veículo rádio. Sim, a rádio Cultura já teve alguns bons gestores no passado. Eram profissionais preocupados em promover a sinergia necessária para mantê-la no ar. A atual gestão, porém, não aprendeu que o que mantém a Rádio Cultura no ar não é somente a energia, mas, principalmente, a sinergia do lugar, incluindo o trabalho de servidores efetivos e dos colaboradores; é quando 2 mais 2 resultam em 5. Mas essa matemática, já se viu, é inacessível para quem não entendeu ainda o que é uma rádio e muito menos a importância do trabalho dos voluntários.

É importante lembrar que, a partir dessa sinergia, foram os colaboradores que trouxeram para a Rádio Cultura e para Brasília a música da Legião Urbana, cantores como Cássia Eller, Chico Science e Chico César; violeiros como Zé Mulato e Cassiano; bandas como Paraibola e Chinelo de Couro, poetas como Vitor Pirralho, craques como Hamilton de Holanda, músicos eruditos locais; foram os colaboradores e seus programas que abriram as portas para os artistas mais diversos da cidade, gente do teatro, mamulengo, dança,... Tem um programa na Rádio Cultura - feito por um voluntário - que se tornou referência do rock nacional, internacional e de Brasília (“Cult 22”); tem um programa que é o espaço do choro (“Nas cordas do choro”); tem programas que são necessariamente citados por historiadores do rádio e da música (“Então foi assim?” e “Gramofone”); tem um programa que trata do que está em cartaz em Brasília (“Deguste Cultura”); tem um programa que é vitrine da boa música do Nordeste (“Canta Nordeste”), entre outros.

A população sabe disso. Mas, pelo visto a atual direção e os técnicos da Secretaria de Cultura não escutam a rádio.

É comum o colaborador da rádio ser abordado na rua e receber elogios ao programa e... à Rádio Cultura. Sim, para a população de Brasília, os colaboradores são da Rádio Cultura. A rádio é conhecida por sua programação musical e por seus programas. A direção não sabe disso? Ao que parece, não. Ela não percebeu que as pessoas que fazem esses programas estudaram, pesquisaram e se tornaram expertises em suas áreas.

Ao contrário do que pensa a Secec e a atual direção da emissora, colaboradores não são “fazedores de programas” ou voluntários achados na rua que brincam de fazer rádio, como supõem. Todos esses programas têm um nível de qualidade que qualifica a Rádio Cultura. Eles são respeitados “lá fora”, pelos ouvintes, sejam artistas, acadêmicos, ou a população em geral. Os ouvintes conhecem os que fazem esses programas. Eles são comumente convidados para debates na academia, em eventos diversos.

Por quê? Porque conhecem os temas que tratam no programa e são bons no que fazem. Quem convida não imagina que o trabalho dessa pessoa – estudioso/a ou pesquisador/a - é tratado com desprezo pela emissora.

O atual diretor nunca admitiu conversar com esses estudiosos e pesquisadores que fazem a identidade da rádio. Ao contrário, permitiu que se fizesse um FAC que os discrimina e depois redigiu um edital que os segrega, colocando-os na vala comum dos estranhos à rádio.

A Rádio Cultura tem uma histórica precariedade de recursos humanos. Hoje não seria diferente. Os servidores têm acumulado tarefas que vão além de suas funções. Mesmo antes da pandemia da Covid se estabelecer, a rádio passou por uma crise. Com poucos servidores, faltou pouco para rádio fechar. Foi graças ao empenho dos servidores - que vai além do profissional – que a Rádio Cultura não fechou.

Os colaboradores fizeram a sua parte, mantiveram os programas no ar, evitando que a emissora se tornasse uma “caixinha de música”, que é a forma mais pobre de se fazer rádio. Os programas garantiram a identidade da Rádio Cultura. Quando servidores e colaboradores atuam por um objetivo dá-se ao fato o nome de sinergia!

A atual gestão não aprendeu nada com isso. Constata-se que todo saber e profissionalismo dos que fazem programas na Rádio Cultura são desprezados. A edição do FAC-2021 e o edital chamando para ser voluntário quem já é voluntário, cristalizam esse desprezo. Será que o secretário Bartolomeu Rodrigues sabe disso?

Atualmente a Rádio Cultura mantem no ar 12 programas musicais temáticos com conteúdo e informação. Destes, 11 são programas de colaboradores: Canta Nordeste, Cult 22, Cultura Hip Hop, Cultura Vibe, Deguste Cultura, Então Foi Assim, Gramofone, República Blues (uma parceria entre o clube de Blues e a Rádio Cultura), O Fino do Samba, Nas Cordas do Choro, Violas e Violeiros. Somente um programa é feito exclusivamente por servidor da rádio: “Barracão”.

Eis os programas, em detalhes:

- Cult 22. Rock. No ar desde outubro de 1991, o programa é produzido e apresentado por Marcos Pinheiros e colaboradores. Veiculado às sextas, das 21h às 13h.
- Deguste Cultura. No ar desde 2018, é produzido e apresentado por Karina Cardoso e Mário Sartorello. Toda sexta, das 18h às 19h.
- Turminha 100,9. No ar desde 2015 (interrompido momentaneamente em decorrência da pandemia). Apresentação de Derez Marques, Lívia Maria e Tina Carvalho, com participação do grupo de teatro infantil Tumabalacatumba. [O primeiro programa infantil da Cultura FM foi Contatos de Primeiro Grau].
- Então, foi assim?. Produzido e apresentado por Ruy Godinho, é colaborador da Rádio Cultura desde 1997, como produtor do programa Estação Brasil. Então, foi assim? Revela os bastidores da criação musical brasileira. No ar desde 2010.
- Canta Nordeste. Produção e apresentação Dioclécio Luz e Cíntia Magalhães. Está no ar desde 1988 - é o programa mais antigo da emissora. Toca o Nordeste, a música que tem o DNA do Nordeste, do clássico ao contemporâneo.
- Cultura Hip Hop. Apresentado pelo pesquisador, DJ e cineasta, Chokolaty
- Cultura Vibe. Reggae, MPB, SurfMusic, Rap, Hiphop e Soul Music. Dicas culturais, curiosidades, entrevistas com artistas da cidade. No ar desde abril de 2015. Produção e apresentação: Johnny Luna e Leco Bezerra
- Gramofone. É produzido e apresentado por Luiz Ayiô. Seu objetivo é preservar a memória de músicos populares brasileiros das diferentes fases da nossa música popular. O autor entrevistou pesquisadores/historiadores da MPB como Jairo Severiano, Nirez, Renato Vivacqua, Ricardo Cravo Albin, Rodrigo Faour e Rui Godinho, entre outros.
- República Blues. Uma parceria entre o clube de Blues e a Rádio Cultura.
- O Fino do Samba. Apresentado por Cadete traz o samba em suas múltiplas versões.
- Nas Cordas do Choro. No ar desde 2010. Produção e apresentação Paulo Córdova. O programa, destinado ao gênero musical choro, é o porta-voz dessa geração brilhante de instrumentistas de Brasília que estão encantando o mundo. Seu objetivo é exaltar a música instrumental brasileira por excelência: o Chorinho, valorizando a difusão de músicos como Pixinguinha, Chiquinha Gonzaga, Jacob do bandolim, Ernesto Nazareth, Waldir Azevedo, dentre outros. Também serve como registro da nova geração de chorões, desde Hamilton de Holanda às novíssimas revelações como o cavaquinista Matheus Donato.
- Violas e Violeiros. No ar há 25 anos. Volmi Batista, o apresentador, é violeiro, faz a pesquisa, produção, catalogação e difusão da música e da cultura caipira. O programa é único em Brasília por sua temática. Toca muita música regional caipira, faz entrevistas, traz informações sobre artistas e canções, dicas de eventos, livros e álbuns, sempre relacionados ao universo da música e cultura caipira, regional e folclórica brasileira, gênero que persiste e prospera nas novas gerações de violeiros e violeiras e têm no programa o único espaço de divulgação do seu trabalho.
- Barracão. Produzido e apresentado por Daniel Miojo, toca a música afro-brasileira.
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(*) Dioclécio Luz é jornalista.

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