Luiz Philippe Torelly (*) –
Ao longo da história urbana, arte e arquitetura estiveram intimamente relacionadas, muitas vezes como irmãs siamesas. Desde a antiguidade temos exemplos que confirmam esse entendimento que, felizmente, ainda estão presentes em nosso tempo como exemplos fabulosos. As cidades greco-romanas na Europa e na Ásia Menor, as civilizações suméria e babilônica em épocas anteriores no Oriente Médio e as ocupações ao longo do Rio Nilo deslumbram a humanidade. As culturas mesoamericanas, totalmente autônomas, exibiam essa simbiose em múltiplas manifestações e arranjos.
Em muitos momentos históricos, arte e arquitetura andaram juntas, socializando a beleza e os valores estéticos de cada época. Em outras foram apartadas pelo advento da expansão urbana desordenada, típica da era do capitalismo industrial, especialmente nos países periféricos. Em muitos casos a arte foi abandonada em prol da funcionalidade, da redução de custos e simplificação de métodos. Não é à toa que temos tantas cidades feias na atualidade.
Brasília significou para o Brasil e para o mundo, um resgate do estreito contato entre arquitetura e arte, especialmente em sua escala monumental. Não é por outro motivo que a cidade é reconhecida como patrimônio mundial pela Unesco desde 1987.
Museu da Bíblia é inconstitucional - Inicialmente, é bom lembrar que a Constituição Federal em seu artigo 215, estabelece que o estado deve promover o desenvolvimento das artes e da cultura e assegurar aos cidadãos o direito de fruição, elemento vital na formação da cidadania. Infelizmente, com o passar dos anos foi crescente o desprezo ao papel transformador da cultura e da arte. A falta de manutenção e de políticas públicas inclusivas, determinaram a obsolescência dos equipamentos culturais, e a redução da oferta de alternativas e possibilidades. Uma cidade como Brasília, nascida sob o signo da arte, tem hoje muitos de seus equipamentos culturais fechados ou funcionando em condições precárias e com acervos reduzidos. O caso mais grave é o do Teatro Nacional, local que reúne três salas de espetáculo e um magnifico foyer para exposições e outros eventos, há cinco anos sem funcionar.
Os museus são pontos de grande referência cultural e atratividade turística em todo o mundo. Muitos estruturaram seu acervo ao longo de muitas décadas e contribuições de muitas gerações. Quem vai a Paris, não deixa de visitar o Louvre. Em Londres, o Museu Britânico; em Madri, o Museu do Prado; no Rio de Janeiro, o Museu Histórico Nacional e o Museu Nacional de Belas Artes; em São Paulo, o Museu de Arte de São Paulo (MASP) e a Pinacoteca. E em Brasília o que visitar?
O objetivo dessa sinopse é apresentar uma proposta que pode significar uma mudança significativa na realidade museal da cidade, com acervos artísticos de elevada qualidade e diversidade já disponíveis, na atualidade fora do circuito expositivo por questões meramente burocráticas. Além disso, orientar a correta aplicação dos poucos recursos destinados ao setor cultural, que não podem ser desperdiçados em propostas de clara inconstitucionalidade e escasso significado como o denominado “Museu da Bíblia”. Lamentavelmente, uma ideia estapafúrdia.
No que diz respeito aos museus da nossa cidade a situação é modesta se considerarmos que Brasília é o centro de uma região metropolitana com mais de 4 milhões de habitantes e capital de um país com população de 212 milhões, de formação multicultural, única no planeta.
Arte e cultura indígenas - O Museu da Memória Candanga localizado nas instalações do antigo Hospital Juscelino Kubitscheck de Oliveira, no Núcleo Bandeirante, embora preserve edifícios e objetos da época da construção da cidade, o que lhe confere autenticidade, tem um acervo restrito e sua localização fora da área central do Plano Piloto, limita a visitação, especialmente pelos turistas. O Memorial dos Povos Indígenas, instalado em edifício projetado por Oscar Niemeyer e tombado pelo Iphan, localiza-se no Eixo Monumental, próximo do Palácio do Buriti. É imensurável a contribuição dos povos originários, para a formação cultural brasileira. A arte indígena com suas características peculiares é muito diversificada, pois são mais de 200 etnias que habitam o território nacional com hábitos, línguas e culturas distintas. Contudo, o Memorial padece do mesmo problema do Museu da Memória Candanga. Possui um acervo limitado e escassos recursos áudio visuais, que estão muito aquém da representatividade da cultura indígena. É um espaço cultural que pode e deve ser melhorado, especialmente com a ampliação de seu acervo e da utilização dele como vetor de difusão educacional.
O acervo do MAB - O Museu de Arte de Brasília (MAB), recentemente reinaugurado após 17 anos em obras e reformas, possui um acervo de arte moderna com obras de artistas brasileiros de renome do último século e de artistas brasilienses. Poderá se constituir em um polo relevante, quando as atividades se normalizarem após o fim pandemia. Sua localização no Setor de Clubes Sul, próxima à Vila Planalto e ao Palácio da Alvorada, considerando as características do Plano Piloto, é de acesso razoável para o transporte individual, mas nem tanto para o coletivo.
Por fim, temos o Museu Nacional da República, com excelente localização na Esplanada dos Ministérios, próximo a rodoviária e a catedral, projeto também de Oscar Niemeyer, de grande impacto visual na paisagem. Um belo edifício destinado a ser um museu, porém sem acervo. O Memorial JK, embora seja um importante lugar de referência à memória candanga, não foi considerado dado a sua finalidade específica e sua condição de monumento em homenagem a um dos fundadores da cidade.
Uma rápida pesquisa na internet, indica que instituições públicas federais e o poder legislativo, possuem vasto acervo de grande valor artístico, cultural e documental, em sua maior parte longe do acesso público. Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco Central, Ministério das Relações Exteriores, Senado Federal e Câmara dos Deputados, possuem milhares de obras de arte que comporiam um museu de grande relevância artística e cultural, de expressão nacional e internacional, com obras de Portinari, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Visconti, Di Cavalcanti, Pancetti, Djanira e muitos outros. Além disso, peças de diversas naturezas, vasto mobiliário, acervos documentais e mapotecas de grande expressão, que representam a história do país.
O que se propõe é simples e de baixo custo. As instituições citadas, cederiam temporariamente exemplares de seus acervos, para a montagem de exposições temporárias no Museu Nacional da República e em outros espaços culturais do DF, inclusive fora do Plano Piloto, aproximando a arte e a cultura de uma população marginalizada pela pobreza e segregação espacial. Curadores selecionados pela Secretaria de Cultura do DF, conhecedores dos acervos, montariam exposições de média e curta duração – de 6 meses a 1 mês – com temas suscitados pelas possibilidades de cada coleção, ou até pela utilização simultânea de várias. Por exemplo, uma exposição comemorativa do centenário da Semana de Arte Moderna de 1922.
Curadoria - Os custos de curadoria, manuseio, transporte e seguros, seriam baixos pois todos os locais não distam mais do que 2 Km um dos outros. A cobertura desses gastos poderia ser feita mediante a cobrança de ingressos, patrocínios via leis de incentivo e até mesmo com a venda de souvenires e lembranças, prática comum em museus de todo mundo e fonte permanente de receita.
Sugere-se também a montagem de uma exposição permanente sobre a história de Brasília, utilizando-se de recursos áudio visuais.
Enfim, lançadas para o debate essas ideias, seguem abaixo os links relacionados para sustentação do projeto:
https://www.caixa.gov.br/cultura/Paginas/default.aspx
https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/galeria
https://www.bcb.gov.br/content/acessoinformacao/museudocs/CatalogoBaixaRes.pdf
http://museus.cultura.gov.br/espaco/16291/
https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/59985164
https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/192231
https://www2.camara.leg.br/a-camara/visiteacamara/cultura-na-camara/museu/acervo
https://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2016-02/acervo-artistico-do-palacio-do-planalto-reune-146-quadros-e-17-esculturas
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(*) Luiz Philippe Torelly, arquiteto, urbanista e ex-diretor do Iphan-DF.