Luiz Phillippe Torelly (*) –
Em boa hora se instalou uma polêmica, que pode ser bastante saudável, sobre a realidade museal da cidade. A notícia de que o GDF pretende realizar um concurso público de arquitetura, para erigir o controverso Museu da Bíblia, repercutiu no meio cultural. A proposta inicial, que antes se utilizava de um “croqui” atribuído a Oscar Niemeyer, foi engavetada após um pronunciamento do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), que não reconheceu a autoria como sendo do renomado arquiteto.
Com a notícia de que já haviam recursos de emendas parlamentares no valor de R$ 14 milhões, aprovadas pela Câmara Legislativa, para dar início à construção do museu, surgiram diversas manifestações críticas nas redes sociais e dois artigos sobre a matéria foram publicados no site www.brasiliarios.com, um de autoria do jornalista Antônio Carlos Queiroz e outro do arquiteto e urbanista Fabiano Sobreira. Cada um a seu modo condenam a construção de referido museu, a partir de um princípio basilar consagrado desde a Revolução Francesa e presente em todas as nossas constituições desde a Proclamação da República: a separação entre a igreja e o Estado.
Não vou me alongar em comentários, pois os dois artigos estão à disposição dos leitores no mencionado neste site e podem ser lidos aqui e aqui.
Pergunta preliminar - Antes de tratarmos do tema central deste artigo, a criação de museu para a cidade, cabe uma questão subsidiária, mas de importância para o bom uso dos recursos públicos. Hoje, 20/1, em entrevista ao jornal Correio Braziliense, o Sr. Secretário de Cultura mencionou que o orçamento do museu será da ordem de 26 milhões de reais. Cabe aqui uma pergunta que qualquer arquiteto ou engenheiro faria: se ainda não existe um projeto arquitetônico e estrutural, como pode ter sido feito um orçamento? Um precede o outro e é condição sine qua non. Estamos habituados a ver pelo Brasil afora, obras inacabadas exatamente por problemas dessa natureza. O Teatro Nacional e o Museu de Arte de Brasília, estão fechados pela ausência de elementos técnicos e orçamentários, que assegurem as obras que são necessárias ao seu funcionamento regular.
O principal - Essa questão preliminar posta, vamos ao principal. Os museus são instituições públicas ou privadas que tem origem no colecionismo, e que se estruturam em um formato semelhante ao atual, ao final do século XVIII. São espaços organizados para a exposição, pesquisa, ensino e reflexão das manifestações culturais de um povo ou nação. Podem ser de múltiplas naturezas ou especializados em arte, história, ciências, cinema, literatura etc.
Em todas as principais cidades do mundo, uma das atrações culturais e turísticas mais importantes são as visitas aos museus. Ninguém vai a Paris sem ir ao Louvre, em Londres uma visita ao Museu Britânico é essencial, em São Paulo ao MASP - Museu de Arte de São Paulo, no Rio de Janeiro ao Museu Nacional de Belas Artes ou ao Museu de Arte Moderna. E em Brasília qual museu os nossos habitantes e turistas podem visitar?
Infelizmente nenhum. A capital do país, uma cidade com mais de 3 milhões de habitantes, conhecida mundialmente por sua arquitetura e urbanismo revolucionários, não tem um único museu aberto, que possua um acervo representativo da diversidade cultural brasileira, onde se misturam e se mesclam culturas oriundas das Américas, África e Europa em formatos surpreendentes. Pior, seus principais equipamentos culturais estão fechados, sem data para reabertura.
Proposta - O objetivo não é apenas fazer uma crítica ao nosso vazio cultural, mas propor uma alternativa que está ao nosso alcance com os recursos e acervos já disponíveis. Ela permitiria a criação de um museu representativo da cultura brasileira com uma medida relativamente simples, mas que demanda administração e curadorias qualificadas. É sabido que várias instituições públicas, como o Congresso Nacional, Itamarati, Presidência da República, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco Central, possuem acervos de obras de arte, documentos, objetos históricos. Reunidos, com certeza poderiam compor um painel artístico e cultural considerável. Como todas as instituições se localizam na mesma cidade, próximas umas das outras, as despesas de translado e seguro, seriam modestas se comparadas a outras alternativas.
Importante destacar que as obras de arte, documentos e objetos que fossem compor o museu, continuariam a ser de propriedade dos atuais donos. Apenas sua visitação seria democratizada, em caráter temporário e rotativo acessível aos pelos brasilienses e turistas. O acervo do Museu de Arte de Brasília – MAB, também poderia ser incorporado. O Museu Nacional de Brasília é um espaço central, que com pequenas alterações, poderia abrigar esses acervos e ainda manter uma área para exposições temáticas rotativas.
É fundamental que deste debate participem instituições públicas, da sociedade civil, artistas, curadores, a Secretaria de Cultura, a Universidade de Brasília e o Instituto Brasileiro de Museus. Podemos passar a ter um museu de expressão nacional, com a cooperação entre os detentores dos acervos e o GDF. Basta querer.
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(*) Luiz Phillippe Torelly, arquiteto e urbanista. Ex-diretor do Iphan.