"A vida é de quem se atreve a viver".


Por que não valorizar nossos gênios enquanto estão vivos, oferecendo-lhes "flores em vida" antes de se chamarem saudades?
Evaldo Gouveia, mais um velhinho genial que se foi

Carlos Rabelo (*) –

Sexta-feira passada, dia 29 de maio, morreu Evaldo Gouveia, vítima da  Covid-19 aos 91 anos de idade. Fiquei espantado em perceber que pessoas inteligentes, de bom gosto e bem informadas nem sabiam quem foi Evaldo Gouveia. Se você, caro leitor (a), não sabe quem foi Evaldo Gouveia, pode jogar na minha cara que eu não fazia a menor ideia de que ele ainda estava vivo, apesar de saber por alto quem era.

Mas se você escutar Alguém de disse cantado por Maysa ou talvez Brigas , terá que dar o braço a torcer, e reconhecer que o compositor e cantor cearense Evaldo Gouveia (1928-2020) é parte da nossa memória afetiva, e que, numa carreira de setenta anos, defendeu a melhor música brasileira.

Muitas de suas canções mais famosas foram compostas em parceria com o capixaba Jair Amorim (1915-1993) e interpretadas de maneira brilhante nas vozes de Nelson Gonçalves, Altemar Dutra e Maysa.

Evaldo é mais lembrado por esses espetaculares sambas-canções de dor de cotovelo, mas também foi compositor de samba-enredo para a Portela, em 1974, com O Mundo Melhor de Pixinguinha, e, em 1978, com Mulher à Brasileira.

Não vou aqui traçar a biografia desse grande músico brasileiro, mas recomendo esta entrevista dada à TV Assembleia do Ceará, onde ele conta muito bem humorado sua trajetória de galã local da rádio cearense nos anos 1950 e integrante do Trio Nagô, até se tornar um dos compositores mais gravados do Brasil.

O que impressiona nessa entrevista é o fato de o entrevistado estar com cerca de 84 anos de idade! Com boa memória, voz ainda firme, ele conta sua vida e canta o que lhe pedem, graças à boa entrevistadora que não o interrompe e o deixa cantar e falar à vontade. Ou seja, não fosse a devastadora Covid-19, esse cidadão poderia muito bem se tornar um centenário.

No entanto, o que me entristece é ver um sujeito passar noventa anos espalhando beleza pelo mundo, e morrer sem alarde, sem pompa alguma. Todo mundo sabe quem é o Carluxo, todo mundo ficou sabendo que o Gustavo Lima bebeu demais durante sua live, e um artista da grandeza de Evaldo morre quase desapercebido.

Por ser uma figura de um estilo de música cujos principais protagonistas já se foram, não é de se espantar que Evaldo é daquelas figuras que nos surpreendem por estarem ainda vivas.

Sempre tomo um susto ao lembrar que a atriz Olivia de Havilland, nascida em 1916, ainda está viva no alto de seus 103 anos de idade. Para quem não lembra, ela é a Marion de As Aventuras de Robin Hood, dirigido por Michael Curtiz, o mesmo realizador de Casablanca. Olivia fez uma histórica dupla romântica com Errol Flynn, e é uma das últimas remanescentes do que se chama a Era de Ouro de Hollywood. Ora, da terceira vez que me espantei por Olivia ainda estar viva, me pus a perguntar quem mais se encontra nessa categoria de gente do “não acredito que ainda está vivo”. O lamentável é que muitas vezes só nós percebemos disso ao saber do falecimento.

Por que não os valorizar ainda em vida, como diria Nelson Cavaquinho, por que não lhes oferecer “as flores em vida”? Por que não falar agora de Carlos Lyra (81 anos), João Donato (85 anos), Hermeto Paschoal (83 anos) e tantos outros que já passaram dos oitenta? Todos, desafortunadamente, ameaçados pela mesma pandemia que nos levou o grande Evaldo.

Antes que seja tarde, vamos valorizar nossos velhinhos!
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(*) Carlos Rabelo, goiano e sueco, é dramaturgo, músico, tradutor e boêmio inveterado.

 

 

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