Luis Turiba (*) –
Gosto da poesia de Ricardo Silvestrin por ser translúcida, objetiva, híbrida, lúdica e pós-moderna. Bate sempre no canto certo, debaixo pra cima, deslocando o goleiro. Tudo ao mesmo tempo agora. É zen e ziriguidum.
Ele também é excelente “dizedor” de poemas, assim como alguns poucos da nossa geração – os dois outros Ricardos, Chacal e Aleixo, também mandam bem, utilizando-se do corpo e da manha.
Silvestrin também entende de música. É compositor de canções populares e de iê-iê-iês que apresenta junto com a banda gaúcha intitulada Os poETs, cantando e dançando com os também poetas Ronald Augusto e Alexandre Brito que, além de poETs são porretas.
Tem o lado sol do seu trabalho musical. Lançou recentemente o álbum SILVESTREAM com RS&Banda que está nas plataformas digitais. É publicitário: tem o lance da síntese na veia. É formado em Letras pela UFRGS e está concluindo o Mestrado em Teoria da Literatura, Crítica e Comparatismo – defenderá a dissertação em 22 de junho.
Costuma dar aulas de iniciação à Poesia com grande conhecimento dos cânones da literatura e da poesia brasileira. Enfim, um ser de fino trato de quem me tornei amigo e também parceiro de intervenções poéticas por este Brasilzão afora.
Recentemente, no inicio desta produtiva quarentena, li nas redes que ele daria um curso online sobre “Poéticas da MPB”. Ora, porque não fazer esse curso para acrescentar conteúdo no que fez e faz parte da minha vida, a MPB. Trago-a na veia desde menino, coisa de família. A minha formação poética vem dessa fonte, dos festivais de 1966, 67, 68. Das músicas da resistência à ditadura.
Meus ídolos ainda são os mesmos surgidos nos anos 60, 70, 80, 90 do século passado. Tenho com eles, portanto, uma certa intimidade.
Meu Drummond inaugural, por exemplo, foi o cronista que eu lia entusiasmado no Segundo Caderno do Jotabê. Meu pai, o velho Alderico Toribio, era redator do JB e sempre trazia o jornal do dia para casa. A partir do cronista, conheci o poeta.
Depois os modernistas, incluindo aí João Cabral da geração 45, que me invadiu pela peça Morte Vida Severina musicada por Chico Buarque. Os concretistas, especialmente Augusto de Campos, me chegaram também cedo. O autor de Póstudo ia muito a Brasília com quem desenvolvi amizade a partir da revista Bric-a-Brac.
Enfim, fiz esse “nariz de cera” para dizer que o tal curso online foi um grande barato a esta altura do campeonato. Por isso, recomendo aos que me leem fazer o próximo. Foi proveitoso, prazeroso - espetacular mesmo.
Duas aulas por semana, duas horas de aula, 10 encontros – tudo ao vivo, online. Eu era o aluno-veterano, o idoso que não deve sair de casa porque já tem muitas histórias pra contar. Os demais alunos, todos jovens, sedentos de saberes e quereres: Caiê, Caio, Sheila e Heitor. O poeta/professor Ricardo tem aquele suave jeito de gaúcho gremista a mostrar os meandros e melindres de cada poema, de cada canção. Combinação perfeita. No final, ainda recebemos “Diploma”.
Ponta-pé inicial
O primeiro poema com o qual que nos deparamos foi um petardo do Leminski: “apagar-me/ diluir-me/ desmanchar-me/ até que depois/ de mim/ de nós/ de tudo/ não reste mais/ que o charme”.
Seguiram-se outros poetas charmosos com clássicos desde o romantismo até a pós-modernidade – Chacal, Alice Ruiz, Carlos Drummond, Millôr Fernandes, Castro Alves, Augusto dos Anjos, Arnaldo Antunes, Ferreira Gular, Augusto de Campos, Castro Alves, Mário Quintana e muito Manuel Bandeira na veia. Foram dois dias horas recitando, discutindo, esmiuçando poetas, poemas e suas linguagens.
Logo veio Cecília Meireles e sua poesia infantil, seguido de aulas de haicai com todos os clássicos japoneses em traduções universais. Começamos por Bashô (1644-1694) e seguimos com outros sushis da poesia nascida da contemplação zen-budista – Buson, Issa, Shirao, Chiyo-ni, Sazanammi, Shiki, Kikaku, Taigi, Bessa, Ryôkan, Kitô, Hokushi.
Se Oriente, rapaz. O haicai ganhou um verniz brasileiro com Alice Ruiz e Leminski além outros tradutores com soluções geniais, incluindo algumas do próprio Silvestrin.
A esta altura nós, alunos, já tínhamos aprendido sobre as “Funções da Linguagem” elaboradas por Roman Jakobson, e suas diversas e complexas outras funções. Foi uma aula teórica para entendermos que a Função poética na arte em geral é selecionar e combinar signos para se obter efeitos estéticos e estranhamento na seleção e na combinação dos signos. Ou seja: a linguagem da poesia deixa o mundo em outra dimensão. Assim entendi.
Estávamos prontos para entrar na MPB propriamente dita. Mas antes, um trecho do poema Procura da Poesia, do Drummond, fixou algo importante no descobrimento da poesia como um instrumento estético da escrita, das palavras.
“Penetra surdamente no reino das palavras./ Lá estão os poemas que esperam ser escritos./ Estão paralisados, mas não há desespero,/ há calma e frescura na superfície intata./ Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário./ Convive com teus poemas, antes de escrevê-los./ Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam./ Espera que cada um se realize e consuma/ com seu poder de palavra/ e seu poder de silêncio./ Não forces o poema a desprender-se do limbo./ Não colhas no chão o poema que se perdeu./ Não adules o poema. Aceita-o/ como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada/ no espaço.”
A partir dessa base, mergulhamos na estação Música e suas estruturas (melodias, ritmos e letras). Curiosamente, a primeira canção que estudamos foi o rockzinho Weekend da banda Blitz na voz de Evandro Mesquita, que é quase um roteiro de cinema.
Mas conhecemos também algumas outras letras fundamentais para mapearmos a MPB do século passado.
Silvestrin nos fez ouvir vozes, arranjos e estruturas musicais de algumas das mais belas canções de Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Dorival Caymmi, Ari Barroso, João Gilberto, Luiz Gonzaga, Tom Jobim, Jorge Ben Jor e até um rock da banda Little Quail, que entrou de gaiata no navio para mostrar o esquema rítmico (1, 2, 3, 4) e a marcação fixa, forte e universal do rock and roll.
Na onda da MPB
Dos quatro grandes da nossa MPB dos anos 70 – Chico, Caetano, Gil e Jorge Benjor - escolhidos pelo mestre para um mergulho mais profundo em um curso rápido, cada um na sua casa nos seus computadores; o primeiro foi o filho do historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda.
Mas para se entender as construções das canções do Chico e seu extraordinário papel no universo musical brasileiro, fomos conhecer o modelo de Tom Jobim, seu “maestro soberano”; e também Vinícius de Moraes, Noel Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Adélia Prado, Torquato Neto e Jards Macalé, além dos seus parceiros históricos com Gil, Edu Lobo, etc, etc. Viagem de altos significados.
Depois veio outro bamba. Reencontrar a obra musical de Caetano em plena quarentena de pandemia, foi uma belíssima poesia. Esse, assim como o Chico e Gil, fizeram o fundo musical da minha juventude em todos os sentidos: fisiológico, político, ideológico, filosófico e estético.
Mas de 20 canções de Caetano foram analisadas no curso, mas teve uma que me emocionou às lágrimas, trazendo-me recordações incríveis de um tempo, onde um jovem de 19/20 anos fugia da aterrorizante polícia política da ditadura militar, enquanto o compositor de Santo Amaro, cidade baiana do Recôncavo Baiano, fazia com a Tropicália com Gil nos festivais da Record.
A canção não é muito conhecida e se chama Irene: “Eu quero ir minha gente/ eu não sou daqui/ Eu não tenho nada, nada/ quero ver Irene rir/ quero ver Irene dar sua risada”.
Gilberto Gil sempre foi muito presente na minha vida pós-adolescência, desde o tempo da lisérgica apresentação de Domingo no Parque no Festival da Record, em 1967, com os Mutantes. Acompanhei com pesar Gil partindo para o exílio em Londres, expulso pela ditadura, cantando Aquele Abraço; e depois a sua volta com a mala cheia de tropicalidades transcendentais como Se Oriente, rapaz.
Comprei todas as revistas Bondinho quando estudava em São Paulo, só para acompanhar suas canções com Torquato Neto. Mas Silvestrin nos mostrou músicas de Gil feita em 1962, quando ainda era “treinee” da Gessy Lever, coisas do fundo do baú. Então, deste baiano aprendi mais ainda. E com que alegria reencontrei sua obra musical.
E de Jorge Benjor, então, o que dizer? Já sabia também desde jovem que ele inventou uma batida nova no violão que a turma chamava de sambarock. Minha mãe Lourdes me iniciou aos 16 anos na MPB ao me apresentar um compacto simples (procure saber) onde o moço do bairro do Rio Comprido, mas que frequentava o Café Palheta na praça Saenz Peña, cantava com aquela voz meio esquisita: “Chove chuva/ chove sem parar/ pois eu vou fazer uma prece/ pra Deus nosso Senhor”.
Esse curso me mostrou muito o Jorge Ben “alquimista” do disco Tábua de Esmeralda. O que canta e encanta com aquele jeito árabe de alongar e florear frases e sílabas. Jorge estudou em seminário e era discípulo de São Thomás de Aquino. O malandro carioca amigo do bandido Charles 45, o que fez um rockzinho chamado Rita Jeep para Rita Lee, mas cujo sucesso mesmo foi Ela é minha menina que gravou com os Mutantes. Dizem que eles namoraram na Tropicália. Disso, já não sei. Sei que aprendi muito, mas muito mesmo nesse curso.
Façam por favor este curso, pois agora estou querendo o disco Os alquimistas estão chegando. Alguém aí tem?
Serviço:
Curso Online para Grupos - Nova Turma – Poéticas na MPB
Professor: Ricardo Silvestrin
Curso com o poeta, músico e professor de literatura Ricardo Silvestrin sobre as questões estéticas suscitadas pelas obras de quatro grandes compositores da música popular brasileira: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Jorge Ben.
Roteiro:
A função poética da linguagem.
A letra de música como gênero.
Quando a palavra escrita não dá mais conta da significação sonora.
A letra como parte da música.
As relações de significado que resultam do encontro entre letra e melodia.
As relações de significado entre todos os elementos da composição, da interpretação e do arranjo.
Ler cantando.
Elementos da poética de Chico Buarque, Caetano, Gil e Jorge Ben.
Relações entre linguagem e visão de mundo em Chico, Caetano, Gil, Jorge Ben.
Outras poéticas: análise de canções de Dorival Caymmi, Ary Barroso, Gershwin, Cole Porter, entre outros.
Duração:
Dez encontros de duas horas cada.
Horário a combinar com o grupo. Início na semana de 24/05.
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(*) Luis Turiba é poeta e jornalista.