"A vida é de quem se atreve a viver".


João Lanari: “Sugiro assistir à primeira partitura de Dmítri Chostakóvitch no cinema. Uma cópia restaurada da dupla soviética Traueberg & Kozintsev, ´The New Babylon´, de 1929, está disponível no Youtube”.
Lazer cinematográfico em tempo de pandemia

João Lanari Bo (*) –

Enfrentar o confinamento contemporâneo causado pelo coronavírus pode ser uma oportunidade de revisitar clássicos do cinema disponíveis gratuitamente na internet. O que era um tesouro oculto nas cinematecas, torna-se com a web manancial de lazer acessível aos mortais, em dois ou três cliques, graças (mas não exclusivamente) ao Youtube – um domínio razoável de línguas estrangeiras, sobretudo inglês e espanhol, sempre ajuda, naturalmente.

A quantidade de títulos no Youtube é imensa, e a facilidade de pesquisa através do Wikipédia e o IMDB, sites colaborativos, é igualmente fecunda. Se o leitor quiser assistir à primeira partitura de Dmítri Chostakóvitch no cinema, por exemplo, encontra uma cópia restaurada da dupla soviética Traueberg & Kozintsev, “The New Babylon”, de 1929, no Youtube.

Quando isto seria possível nos tempos pré-digitais? Gerações de cinéfilos cresceram ouvindo falar dos filmes do pioneiro D.W. Griffith, mas assistindo pouquíssimos filmes, geralmente em cópias deploráveis. Hoje, clicando Griffith no Youtube, não dá nem para contar o número de páginas resultantes.

Mas vamos ao que interessa. Um notável caso de visão estratégica e preocupação com o consumidor é o site www.cine.ar, que oferece filmes argentinos, de todas as épocas, de graça – sim, de graça, bastando apenas um registro simples do usuário. O site é mantido pelo INCAA (Instituto Nacional de Cine y Artes Visuales) e pela ARSAT - Empresa Argentina de Soluciones Satelitales. Não tem todo o cinema argentino – como se sabe, de alto nível artístico – mas conta com um acervo fantástico. Porquê não acontece algo semelhante no Brasil é a pergunta que não quer calar, levando-se em conta que aqui, como no país de los hermanos, a produção em sua grande maioria foi de alguma forma subsidiada, seja Embrafilme, lei do audiovisual, etc.

Para cinema russo/sovético, e contando com legendas em inglês que almas caridosas organizaram para o resto do planeta (algumas vezes a tradução ainda está um pouco caótica, mas espectadores valentes vão até o final), temos um canal com variedade de ofertas, que se autointitula “Playlist Soviet and russian movies with eng subtitles". São 270 títulos, gratuitos! E para quem quiser aceder a uma lista mais atualizada, e dispondo-se a pagar (mas com direito a fazer download) temos a Soviet Movies, com uma seleção caprichada, inclusive russos contemporâneos.

Ainda sobre o cinema soviético, para os cinéfilos obsessivos, há que se destacar o blog Cine Soviético, feito por um espanhol que residiu em Moscou (as postagens pararam, mas o site – um conjunto de informações e links para clássicos dos anos 1910 e 1920 simplesmente inacreditáveis – continua no ar).

Para encerrar, menção ao brasileiro SP Cine Play, iniciativa louvável do governo paulista que oferece fantástica seleção de filmes brasileiros, de Andrea Tonacci a Helena Ignez e Ana Carolina. Isso tudo sem abdicar do produto estrangeiro de qualidade: a partir do dia 26 de março próximo, vai exibir em streaming gratuito a série documental francesa “A Herança da Coruja” (L‘Héritage de la Chouette, 1989), do grande Chris Marker (1921-2012). Em versão restaurada, a série discute em treze episódios, a partir de treze palavras incorporadas ao vocabulário moderno, o legado cultural e político da Grécia clássica para o mundo contemporâneo.

E por aí vamos. Quem garimpar na net – não apenas youtube, mas também Dayly Motions e Mubi.com, que exigem algum tipo de registro e eventualmente algum pagamento módico, ou ainda o gratuito Open Culture, que conta com uma sessão de “free movies” de mais de 1.150 filmes! – certamente vai driblar o tédio com desenvoltura.
______________
(*) João Lanari Bo, pesquisador, escreveu “Cinema para russos, Cinema para soviéticos”, publicado em 2019 pela editora Bazar do Tempo, e “Cinema Japonês”, publicado em 2016 pela Editora Giostri.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos