Suyan de Mattos –
Em 1969, o artista Cildo Meireles, acompanhado de seus amigos Alfredo Fontes e Guilherme Vaz, abriu uma clareira ao atear fogo em uns gravetos às margens do lago Paranoá, em Brasília. Depois da queima, colocou as cinzas dentro de três caixas de madeira e também um pouco de terra.
Uma das caixas foi enterrada no local. As outras duas passaram a integrar a obra: Arte física: Caixas de Brasília/Clareira (na foto abaixo). Junto às caixas, há um mapa da localização da caixa enterrada e também uma sequência de fotos em preto e branco que expõem a vista do lago num fim de tarde, o registro da queima, a vista do lago na manhã seguinte com o resto da fogueira e todo o processo de jogar as cinzas nas caixas.
Cildo Meireles relata que essa intervenção representava uma tentativa de criar e de tomar posse de um território livre. Mesmo assim, conta que para conseguir levar embora consigo as caixas de madeira, ele foi obrigado a negociar com os funcionários do aparato de controle do regime militar, que lá foram inspecionar o que estava ocorrendo no local.
Do outro lado da margem do lago Paranoá, Cildo Meireles e seu amigos podiam avistar a bela estrutura da Universidade de Brasília, que, naquele momento, era mais uma das vítimas dos atos de arbítrio desencadeados pelos militares.
Nesse mesmo ano, como resultado da ditadura militar implantada em 1964, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick, foi sequestrado no Rio de Janeiro por membros do grupo brasileiro de extrema-esquerda chamado Dissidência Comunista da Guanabara, conhecido como o Grupo Revolucionário MR-8 e da Ação Libertadora Nacional (ALN). O líder da ALN, Carlos Marighella (“inimigo número 1 da ditadura militar”), foi morto a tiros de metralhadora por agentes do DOPS em São Paulo.
Em 2019 o Coletivo F.A.D.A. com mapa a tiracolo foi em busca da Caixa de nº 3 de Cildo Meireles. Encontramos aquele território que ele queria criar e tomar posse como um espaço livre. Mas, já não estava mais livre… decidimos, então ocupar o território ao lado. Como este estava livre, tomamos posse. Nesta data o sepultamento da Caixa de Cildo Meireles completava 50 anos, conjuntura bastante similar a que ele viveu em 1969.
Assim, decidimos fazer a Cildragem.
Queima e enterro da bandeira brasileira às margens do Lago Paranoá, na mesma localização onde em 1969 Cildo Meireles realizou a ação Arte Física – Caixas de Brasília/Clareira. Aportamos em um antigo píer do Paranoá carregando uma versão brasileira preta-e-branca onde se lê Plantation & Bananation. Queimamos essa bandeira e enterramos suas cinzas numa caixa de acrílico junto com um cacho de bananas e uma fotografia da bandeira hasteada.
Em 28 de setembro, de um ano que ainda está por vir, quando o país da Plantation & Bananation for então já apenas uma lembrança triste, a caixa será desenterrada e seus restos dispersos ao vento do Planalto Central.
Fazem parte do Forças Amadas da Arte: Gisel Carriconde Azevedo, Hilan Bensusan, Raisa Curty e Suyan de Mattos. Registros de Cleber Cardoso Xavier e Mateus Lucena.
______________
Serviço:
Cildragem - Plantation & Bananation estará aberta à visitação de hoje, 10/3, às 19h, até 1/5, na galeria da Casa da Cultura da América Latina - SCS - Quadra 4, Ed. Anápolis - Brasília-DF.
_________________
Arte Física: Caixas de Brasília/Clareira – Cildo Meireles, 1969.
Sequência de fotografias e mapas, três caixas de terra. Fotografia: Pat Kilgore.