"A vida é de quem se atreve a viver".


Sting, Noam Chomsky, Lilia Schwarcz e Caetano Veloso, nomes que assinam manifesto contra o Governo Bolsonaro.
Intelectuais e artistas denunciam autoritarismo e censura no Brasil

Um grupo de artistas e intelectuais brasileiros e estrangeiros assinam um manifesto denunciando práticas antidemocráticas e a censura no Brasil do governo Jair Bolsonaro.

O documento já tem mais de três mil assinaturas, entre elas as de Sting, Trudie Styler, Valeria Chomsky, Noam Chomsky, Lilia Schwarcz, Chico Buarque, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes, Sebastião Salgado, Djamila Ribeiro, Milton Hatoum, Petra Costa, Nancy Fraser, Boaventura Sousa Santos e tantos outros.

O governo Bolsonaro “ignora a atuação paralela e criminosa das milícias, e a corrupção que prometeu combater”. Os artistas e intelectuais que assinam o documento denunciam que o atual governo brasileiro “ataca as instituições democráticas e isso poderá ser irreversível”. Por isso, “chamamos a comunidade internacional a se solidarizar e se posicionar publicamente para condenar os atos de violência e de aparelhamento burocrático e ideológico do Estado, para que não se configure em um programa eficiente e regular de censura”.

Os manifestantes querem “pressionar o governo brasileiro para que ele siga a Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso respeite a liberdade de expressão, de pensamento e de religião”.

Por fim, o documento conclama os órgãos de Direitos Humanos e a imprensa internacional para que “fiquem atentos ao que acontece no Brasil e às ameaças à democracia que tem sido colocada à prova, diariamente. O momento é grave, e é hora de dizer não à escalada autoritária no Brasil”.

Leia a íntegra do manifesto:

“As instituições democráticas brasileiras têm sofrido um verdadeiro ataque desde o começo da gestão de Jair Bolsonaro. Desde 1º de janeiro de 2019, quando Bolsonaro assume o poder como presidente do Brasil, assistimos a uma escalada autoritária, refletida em uma sistemática tentativa de controle e cerceamento de várias instituições culturais, científicas e educacionais brasileiras e aos órgãos da imprensa.

Os exemplos são muitos.

Logo no início da gestão, membros do partido pelo qual Bolsonaro foi eleito (PSL) pediram, publicamente, que alunos filmassem seus professores e os denunciassem por “doutrinação ideológica”, através de filmagens e seu compartilhamento nas mídias sociais. Essa campanha estilo “caça às bruxas”, chamada de “escola sem partido”, gerou insegurança nas escolas e universidades, em um país que há pouco mais de três décadas saiu de uma ditadura militar opressora. Em janeiro de 2020, Bolsonaro afirmou que os livros didáticos brasileiros “tinham muita coisa escrita” e sugeriu que o Estado interferisse diretamente no conteúdo das obras que chegam às escolas públicas, e de forma sectária.

A administração Bolsonaro deixou claro que não tolerará qualquer desvio de sua política ultraconservadora. O diretor de marketing do Banco do Brasil, Delano Valentim, foi demitido por haver colocado no ar uma propaganda, censurada pelo governo no início de 2019, que refletia inclusão racial. Mais tarde, no mesmo ano, enquanto a floresta Amazônica brasileira queimava em níveis alarmantes, a administração retaliou contra cientistas que ousaram mostrar fatos. Ricardo Galvão, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), foi exonerado por divulgar dados de satélite do desmatamento no Brasil.

No dia 21 de janeiro, o Ministério Público Federal denunciou, sem provas, Glenn Greenwald, jornalista e cofundador do The Intercept Brasil, por participar de uma suposta organização criminosa que teria, entre outros [crimes], invadido celulares de autoridades brasileiras. Em um ataque à liberdade de imprensa, diretamente relacionado à série de reportagens que The Intercept vem fazendo sobre a corrupção dentro da Operação Lava Jato, o Ministério Público Federal desafiou o Supremo Tribunal Federal e contornou a medida cautelar nas investigações sobre Greenwald, proferida por Gilmar Mendes, ministro do Supremo.

Esse não é um caso isolado. Vários agentes, entre eles tribunais regionais e policiais militares, vêm agindo como células defensoras do projeto bolsonarista e tomando medidas para tentar moldar a sociedade brasileira. Somente em 2019 contabilizaram-se 208 agressões a veículos de comunicação e a jornalistas.

No dia 16 de janeiro, o ex-Secretário Especial da Cultura, Roberto Alvim, e Bolsonaro, em uma transmissão conjunta, elogiaram a “guinada conservadora” e o “recomeço da cultura” do país. No dia seguinte, Alvim plagiou o nazista Joseph Goebbels quando fazia o anúncio de um novo prêmio nacional das artes. O secretário foi exonerado por conta da imensa reação que seu discurso gerou na sociedade civil. Mesmo assim, Alvim era a voz do projeto bolsonarista de contínua afronta à liberdade de expressão, com mudanças que demonstram retrocesso na liderança e no funcionamento de diversos órgãos, como o Conselho Superior de Cinema, da ANCINE, do Fundo Setorial Audiovisual, da Biblioteca Nacional, do Iphan —Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional— e da Fundação Palmares.

Pela primeira vez na história do Brasil, Petra Costa pode vir a ser a primeira mulher latino-americana a ganhar um Oscar, com o documentário Democracia em Vertigem. Já a administração Bolsonaro usou o Twitter oficial da Secretaria de Comunicação para definir Costa como uma antipatriota que espalha mentiras. Por outro lado, enquanto os longa-metragens Bacurau, A Vida Invisível e Babenco receberam reconhecimento internacional nos festivais de Cannes e de Veneza, respectivamente, Bolsonaro declarou que faz tempo que não se produz bons filmes no Brasil.

A partir de um programa moralista e ideológico fechado e compactuado, essa administração busca mudar o conteúdo dos livros escolares, dos filmes nacionais, restringir o acesso a bolsas de estudo e de pesquisa, intimidar o corpo docente, os jornalistas e os cientistas.

Buscam também reverter, inclusive, várias conquistas dos últimos anos, como a implementação da política de cotas e de ação afirmativa no país, medidas que, entre outras, e pela primeira vez na história do Brasil, vêm tornando o país mais múltiplo e inclusivo, menos desigual, com 51% dos alunos das universidades públicas sendo provenientes das comunidades negras. O que temos presenciado desde 2019 é um movimento oposto; um retrocesso nesses direitos fundamentais.

Estamos assim, diante de um governo que nega a laicidade do Estado e que fomenta fundamentalismos e racismo religioso, que nega o aquecimento global, e as queimadas na Amazônia, despreza líderes que lutam pela preservação do meio ambiente, e desrespeita a cultura e a preservação ambiental realizada pelas comunidades indígenas e quilombolas.

Este governo ignora a atuação paralela e criminosa das milícias, e a corrupção que prometeu combater. Bolsonaro e seus ministros atacam as minorias e negam as demandas dos movimentos negros, indígenas, LGBTTQ+. Também, constantemente, ataca cientistas, acadêmicos e jornalistas toda vez que se sente ameaçado. É um governo que tem feito drásticos cortes no orçamento para o desenvolvimento da cultura e educação, e que não tem plano de desenvolvimento para o seu povo.

O resumo é que o projeto de Governo atual ataca as instituições democráticas e isso poderá ser irreversível. Chamamos assim a comunidade internacional a se solidarizar e se posicionar publicamente:

Para condenar estes atos de violência e de aparelhamento burocrático e ideológico do Estado, para que não se configure em um programa eficiente e regular de censura.

Para pressionar o governo brasileiro para que ele siga a Declaração Universal de Direitos Humanos, e com isso respeite a liberdade de expressão, de pensamento e de religião.

Por fim, conclamamos os órgãos de Direitos Humanos e a imprensa internacional para que fiquem atentos ao que acontece no Brasil e às ameaças à democracia que tem sido colocada à prova, diariamente. O momento é grave, e é hora de dizer não à escalada autoritária no Brasil”.

Você não tem direito de postar comentários

Destaques

Mais Artigos