Antônio Carlos Queiroz –
A poeta americana Emily Dickinson (1830-1866) era fissurada pelas palavras. Certa vez, evidente exagero, disse a um amigo que durante anos o seu único companheiro tinha sido o “Lexicon”, a edição de 1844 do primeiro grande dicionário americano, editado por Noah Webster. Ainda assim, o dicionário servia apenas como instrumento de trabalho para ela, soberba inventora de termos, rimas e pontuações.
Nesse sentido, pode se dizer que Emily pensava de maneira parecida com os linguistas modernos, que estudam as variações da língua, ente tão permanente como o rio de Heráclito, e não como os gramáticos tradicionais, contumazes embalsamadores de palavras.
O poemeto abaixo ilustra o que acabo de dizer:
F278 (1862) / J1212 (1872)
A word is dead, when it is said
Some say -
I say it just begins to live
That day
Dizem que a palavra morre
Quando é dita -
Digo que ela nasce justo
Nessa data
Emily não teve a oportunidade de publicar os seus quase 1800 poemas. Trabalhou duro, porém, na edição de 1.100 deles mais ou menos, a maioria dos quais selecionou para organizar 40 fascículos, talvez com a intenção de publicá-los. Chamam a atenção as múltiplas alternativas de palavras e expressões, parecendo às vezes obsessivas, que ela considerou no esforço de acabamento desses poemas.
Noves fora, vai daí, resolvi também eu brincar com palavras, que nem a Emily, no exercício de tradução de uma quadrinha que ela compôs em 1871 (J1193-F1205).
Aqui vai o original e – em vão – as minhas 10 versões, diversões, extroversões, inversões, reconversões e até tergivers(aç)ões, sei lá:
All men for Honor hardest work
But are not known to earn -
Paid after they have ceased to work
In Infamy or Urn -
1 -
Todos por Honra trabalham duro
Sem saber qual é o retorno -
São pagos depois de trabalhar
Com Infâmia ou com Urna -
2 -
Por Honra todo mundo dá duro
Sem saber a comissão -
Sai o soldo no fim da labuta
Em Infâmia ou Caixão -
3 -
Pela Honra todos dão duro
Sem saber qual é o lucro -
Pagos no final do esforço
Com Infâmia ou Sepulcro -
4 -
Por Honra todo homem labuta
Desconhecendo o salário -
Pagamento no fim do batente
Com Infâmia ou Ossário -
5 -
Por Honra todo homem se esmera
Dessabendo o numerário -
O prêmio sai no fim da porfia
Com Ultraje ou Sudário -
6 -
Por Honra todo homem se estafa
Sem saber a quantos guinéus -
O salário no fim do serviço
É Desonra ou é Mausoléu -
7 -
Pela Honra todo mundo moureja
Ignorando a recompensa -
O pagamento no fim da empreitada
Será Miséria, talvez Essa -
8 -
Por Honra todo mundo porfia
Sem saber por quanto dinheiro -
O ordenado no fim do batente
Será Infâmia ou Carneiro -
9 -
Todo mundo por Honra batalha
Ignorando o rendimento -
O ganho no fim do trabalho
Será Afronta ou Monumento -
10 -
Os homens labutam por Honra
Sem saber o estipêndio -
No fim da refrega recebem
Epitáfio ou Vilipêndio -