Paul Celan: "A gente se ama como papoula e memória"
Corona, a hora da hora

Antônio Carlos Queiroz (ACQ)

É tempo de incerteza e aflição, tempo de ler poesia, hora de ler o poema Corona, de Paul Celan (1920-1970), o grande poeta judeu-romeno de expressão alemã. 

Qual é o objeto desse poema? Memória do Holocausto ou lembrança de seu caso com a poeta austríaca Ingeborg Bachmann (1926-1973) na destroçada Viena de 1947-8?

É tempo de revelar ao público o sublime amor de um casal no escurinho do quarto ou hora de dizer toda a verdade sobre as atrocidades da guerra? Andando no fio da navalha, Celan deixa as interpretações em aberto. 

Corona pode ter relação com a coroa da cápsula de uma papoula (Papaver somniferum), de que se extrai o ópio. O título do poema pode ter sido inspirado nas coroas de papoula com que os ingleses relembram até hoje a catástrofe da Primeira e da Segunda Guerra Mundial.

Sheridan Burnside, da Universidade de Londres, propôs o conceito de senselessness - falta de sensibilidade por anestesia - para a interpretação de Mohn und Gedächtnis (Papoula e Memória, 1952), o livro de Celan com o poema Corona.

Para que suportasse a memória do Holocausto ou as suas frustrações amorosas, Celan precisou sentir-se meio anestesiado, como se estivesse sob o efeito do ópio ou da morfina. Aqui se misturam outras lembranças afetivas, como os bolos de sua infância na Romênia, cobertos com sementes de papoula.

Acontece que as trevas conquistaram o ópio. O poeta suicidou-se no dia 20 de abril de 1970, afogando-se no Sena, em Paris. 

À guisa de esperança, irmã siamesa do medo, acrescento: só podemos ver a coroa do Sol durante um eclipse.

Corona

Paul Celan/ACQ

O outono come sua folha na minha mão: somos amigos.
Tiramos o tempo da casca das nozes e o ensinamos a sair:
o tempo volta pra casca.

No espelho é domingo,
no sonho a gente dorme,
a boca diz a verdade.

Meu olho baixa até o sexo da amada:
nós nos olhamos,
murmuramos escuridões,
nos amamos como papoula e memória,
dormimos como vinho nas conchas,
como o mar no raio de sangue da lua.

Ficamos abraçados na janela, eles nos veem da rua:
está na hora de saberem!
Está na hora da pedra se dispor a florescer,
da inquietação disparar o coração.
Chegou a hora da hora.

Está na hora.

Corona

Paul Celan

Aus der Hand frißt der Herbst mir sein Blatt: wir sind Freunde.
Wir schälen die Zeit aus den Nüssen und lehren sie gehn:
die Zeit kehrt zurück in die Schale.

Im Spiegel ist Sonntag,
im Traum wird geschlafen,
der Mund redet wahr.

Mein Aug steigt hinab zum Geschlecht der Geliebten:
wir sehen uns an,
wir sagen uns Dunkles,
wir lieben einander wie Mohn und Gedächtnis,
wir schlafen wie Wein in den Muscheln,
wie das Meer im Blutstrahl des Mondes.

Wir stehen umschlungen im Fenster, sie sehen uns zu von der Straße:

es ist Zeit, daß man weiß!
Es ist Zeit, daß der Stein sich zu blühen bequemt,
daß der Unrast ein Herz schlägt.
Es ist Zeit, daß es Zeit wird.

Es ist Zeit.

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