Antônio Carlos Queiroz (ACQ) –
A Coluna da Peste foi uma das coisas mais impressionantes que já vi. Esculpida em mármore, a trolha retorcida de 20 metros está instalada na praça principal da cidade de Linz, na Áustria. Parece ter escorrido de um gigantesco bico de creme de pasteleiro, com anjinhos e figuras monstruosas trepando ao longo de sua superfície. No topo, uma representação da Santíssima Trindade.
Dezenas de colunas semelhantes, em estilo barroco, espalham-se por outras cidades austríacas, alemãs, romenas, suíças, eslovacas, tchecas e húngaras. São monumentos dedicados à Trindade, Nossa Senhora, São Sebastião e outros santos que teriam enfrentado a epidemia da peste em 1679. Dizem que simbolizam a vitória da contra-reforma católica sobre a onda protestante e também o êxito dos europeus contra as tropas muçulmanas do Império Otomano.
Essa imagem me veio à cabeça ao refletir sobre a mentiraiada que pulula à torta e à direita na Grande Rede, envolvendo o coronavírus. Passada a pandemia, talvez tenhamos de erigir colunas parecidas com a de Linz, não para lembrar do vírus mas das fake news que nos empesteiam. Serão as quintas-colunas do bolsonarismo e de outros bolhismos da nossa época!
À torta - Do lado da esquerda, irritou-me particularmente as postagens que atribuíram aos cubanos a fabricação de uma suposta vacina contra o Covid-19. Passei um tempão explicando aos amigos e amigas que reproduziram a falsidade de que o medicamento trombeteado, o interferon alfa 2B, não é uma vacina (destinada à prevenção, não à cura) e, aliás, nem foi desenvolvido na Ilha.
Interferons são glicoproteínas naturais de sinalização celular, da classe das citocinas. Participam do controle e da replicação das células, modificando as suas respostas imunológicas com efeitos antivirais. Como informou a Fiocruz, esse interferon específico é um produto antigo, usado no tratamento de pacientes com hepatites, leucemia etc. Não duvido que ajude no tratamento dos doentes do coronavírus, mas é uma tremenda cascata dizer que é vacina e que está “curando” milhares de pessoas.
Uma primeira e inevitável constatação: infelizmente, a desinformação, a burrice e o desprezo pela ciência não são atributos exclusivos de nenhum grupo ao longo do espectro ideológico.
À direita - Do lado da direita, as mentiras começaram a ser transmitidas pelo próprio presidente da República, que atribuiu a crise do vírus a uma “fantasia criada pela imprensa”, uma conspiração, destinada – adivinhem! – a solapar o governo dele e o do seu ídolo, Donald Trump, aliás, usando os mesmos argumentos do americano.
Quando a ficha caiu, e ele percebeu que a pandemia é coisa séria – inclusive com a possibilidade, afinal negativada, de ele próprio ter sido contaminado –, o Bozo botou uma máscara em cima das outras que usa e ordenou o meia-volta-volver para a manifestação do foda-se do dia 15. Enquanto isso, o ícone dele, que na quarta-feira, 11, havia fechado o espaço aéreo dos Estados Unidos para os voos provenientes da Europa, declarava na sexta, 13, a emergência nacional no país.
“Invenção” - A atitude do Coiso vinha sendo reproduzida por seu rebanho e porta-vozes nas últimas semanas. No dia 25 de janeiro, Xico Graziano tascou no Twitter: “Fiquem tranquilos. Epidemia de coronavírus é invenção do jornalismo catastrófico. Foi assim com a gripe aviária e outras, que matariam milhões. Não vivemos mais na época da peste negra. Precisamos acreditar na MEDICINA, no poder do conhecimento científico. Igual na AGRONOMIA”.
Semanas depois, o Xico voltou atrás, reconhecendo que havia se equivocado e que a crise é real mesmo. Ficou devendo a explicação de como conciliar “conhecimento científico” com o olavismo, a filosofia plana do guru do bolsonarismo.
Já o Alexandre Garcia, ex-porta-voz do general João Figueiredo e agora porta-voz informal do Bolsonaro, saiu-se com essa no dia 9 de maio: “O coronavírus atualiza Freud em ‘Histeria’ e ‘Psicopatia da Vida Cotidiana’. E Shakespeare, em ‘Muito Barulho por Nada’”.
Uau, uau! - Bem, não sou eu que farei barulho pelo fato de ele ter errado a transcrição do título do livro do Freud – “psicopatologia” é a palavra correta. Errinho besta. Quem quiser que faça o devido auê pelo equívoco, esse sim, monstruoso e até criminoso, de minimizar a relevância da pandemia do covid-19, cometido pelo Alexandre, o Grande [espaço para o qualificativo mais adequado na opinião d@s prezad@s leitores e leitoras].
Isso posto, recolho-me à minha insignificância, menor do que o diâmetro do coronavírus, da ordem de 125 nanômetros, para ler dois clássicos da luta contra a mentira: “As cinco maneiras de dizer a verdade”, do Bertolt Brecht, e “A arte refinada de detectar mentiras”, capítulo 12 de “O Mundo Assombrado pelos Demônios – A ciência vista como uma vela no escuro”, do Carl Sagan.
Volto breve!