"A vida é de quem se atreve a viver".


Luiz Martins: “Se por um lado o estilo sargentão compôs, quem sabe, a maior parte de seu eleitorado, Bolsonaro não é unanimidade nas Forças Armadas”.
Um “sargentão” no QG

Luiz Martins da Silva –

No contexto castrense, sargentão é um pejorativo para o militar sem polimento, não uma depreciação aos bravos e honrosos sargentos, estratégicos para a efetividade das próprias operações estratégicas, mas para se designar na informalidade aquele fardado que, mesmo galgando divisas mais hierárquicas, permanece inculto e rude no trato e nas atitudes.

Em relação a Bolsonaro, a avaliação extraoficial é a de que ele deixou precocemente a carreira militar, optando pela política, após ter sido preso por publicar um artigo reclamando de perdas salariais. Todavia, manteve-se imaginariamente como membro da corporação, conservando, porém, a mentalidade de um militarismo anacrônico.

Embora o bolsonarismo tenha prosperado mais entre os escalões principiantes, como vereador e deputado o antigo cadete não se lembrou muito deles. Não foi representante da sua categoria, como, aliás, não se identificou muito com qualquer corporação, militar ou civil, e sim, com os seus próprios valores, mas que, ao longo da vida, tentou passá-los como sendo os de um militar.

Bolsonaro, portanto, não se desfez do que julgou valores da tropa, infelizmente, equívocos e defasados. Ao tempo em que se formou cadete, o regime militar pós-64 já não era o mesmo, Geisel havia subjugado os bolsões que desejavam ainda mais fechamento e não a “distensão” comandada, ironicamente, por um general de uma austeridade “germânica”.

O político Bolsonaro conservou-se mais afeito a uma extrema direita que já não fazia sentido entre os militares, nem os mais conservadores. A tortura foi rejeitada em todo mundo como um crime abjeto, mas o capitão prosseguiu saudoso dos porões, não admitidos publicamente pela maioria dos generais brasileiros. Pelo menos no plano retórico, quase todos os presidentes militares se revezaram em juras democráticas: Costa e Silva, Castelo Branco, Geisel e Figueiredo.

Bolsonaro não está só em seu saudosismo. Curiosamente, tem apoio de manifestantes que, pela idade, ou eram crianças quando do embate Lei de Segurança Nacional versus Subversão ou não prestaram atenção nos mínimos rudimentos de História do Brasil e, pior: tornaram-se reféns de versões segundo as quais o Nazismo não foi o que se propagou; não houve golpe militar em 1964; e o comunismo estava tomando conta do Brasil por intermédio de Lula, Dilma e “petistas”, entre outras distorções. Por acréscimo, encampou a crença congênita ao Golpe de 64, segundo a qual “O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”, pérola também do contexto da Guerra Fria. Detalhe: a União Soviética se desfez em 1991.

Para lá de obstinado, Bolsonaro é um obsessivo. Agarra-se a uma convicção mesmo contra o bom senso de todo o restante do Planeta. Agora mesmo, em relação ao “isolamento social”, mantém-se ao lado de menos de meia dúzia de obscuros ditadores “negacionistas”. Faz sarcasmos, passa a mão no nariz e finge tossir. Apresenta traços de bipolaridade. Sai de casa para fazer uma presença no Dia do Exército e termina, em frente ao QG, com rompantes típicos de comício, subindo num carro para ser ovacionado por uma multidão que pedia intervenção militar, AI-5 e fechamento do Congresso e do Supremo. No dia seguinte, volta atrás e diz que o foco era outro, o desejo daquelas pessoas em voltar ao trabalho.

Bolsonaro deixou a farda, mas, na política sonha com o retorno dos militares ao poder e mesmo quando troca o titular da Saúde procura um general para estar ao lado do novo ministro. Até o chefe da Casa Civil é um militar. Na quebra do isolamento social, quer a reabertura imediata das escolas militares e das que adotaram idênticos rigores.

Por falar em disciplina, Bolsonaro não é paradigma. Quando militar, foi processado por transgressão. E a sua rebeldia às recomendações sanitárias face à pandemia atual é o quê, senão uma pirraça irritante? A disciplina é um dos três esteios dos estatutos militares, ao lado da lealdade e do cavalheirismo. Para se ter uma ideia, os bons modos e o decoro são tão prezados na cultura militar que se recomenda que tirem o quepe ao cumprimentar uma senhora. Ele vive às turras, palavrões e chega a ser chulo com senhoras e senhoritas, como ocorreu no Congresso e na imprensa.

Se por um lado o estilo sargentão compôs, quem sabe, a maior parte de seu eleitorado, Bolsonaro não é propriamente uma unanimidade nas Forças Armadas. É desconcertante para os militares ter a sua imagem formatada pelos valores e atitudes deste senhor capitão, da mesma forma que é desconcertante para brasileiros serem objeto de chacota no exterior, uma vez retratados pelo seu governante como uma gente que vive com o pé no esgoto, mas esbanja imunidade. Como tantos outros políticos, quando a repercussão é muito negativa, se diz mal interpretado. Quanto aos ostensivos apelos e faixas dos manifestantes, recorreu a um velho chavão, suspeitou de “infiltrados”.

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