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Elisa Locón: "O Chile é um país pluricultural"
Elisa Locón: “Essa Constituinte transformará o Chile”

Romáro Schettino -

A indígena mapuche Elisa Locón, eleita presidenta da Assembleia Constituinte do Chile, no dia 4 de junho, disse em seu discurso de posse que “essa Constituinte transformará o Chile”.

Além do aspecto multicultural relevante, os constituintes chilenos eleitos nos dias 15 e 16 de maio estarão encarregados de discutir e votar, dentre outros assuntos, o modelo de desenvolvimento econômico, o papel do Tribunal Constitucional, a autonomia do Banco Central e a autodeterminação dos povos indígenas.

O Chile chegou a ser considerado modelo de crescimento econômico na América Latina, na época de Pinochet. Nessa época a ditadura chilena contou com a assessoria do ministro Paulo Guedes, o mesmo que agora quer repetir a dose no Brasil.

O modelo festejado pelo FMI acabou por se tornar um pesadelo em função do alto custo social, concentração da renda, aumento da pobreza extrema e retirada de direitos. A classe média sofreu perdas incalculáveis, o suficiente para engrossar o caldo das manifestações populares contra as políticas neoliberais do presidente Sebastián Piñera. A reforma da previdência foi o estopim das revoltas.

A única maneira de pacificar o país foi a convocação da Constituinte. Nos dias 15 e 16 de maio deste ano foram eleitos 155 constituintes (o Chile tem 19 milhões de habitantes) para uma Assembleia que terá 365 dias para escrever a nova Carta do Chile em substituição à que foi aprovada por Pinochet em 1980.

Dentre os eleitos, 77 são mulheres e 78 são homens, o que caracteriza um importante impulso do movimento feminista nas eleições. A direita tradicional conseguiu 37 vagas e a esquerda histórica, 53. As demais 65 vagas estão distribuídas entre os independentes, ou seja, os sem partido.

Ao fazer o seu primeiro discurso, a indígena mapuche Elisa Locón, eleita presidenta da Assembleia, fez uma saudação na língua materna, vestiu roupas tradicionais de seu povo, segurou a bandeira do movimento mapuche e deixou claro que suas origens terão papel fundamental nos debates, mas num tom moderado.

Elisa Loncón é professora de inglês na Universidad de la Frontera e de mapudungun (a língua mapuche) na Pontifícia Universidade Católica do Chile, em Santiago. Fez pós-graduação no Instituto Internacional de Estudos Sociais de La Haia e doutorado na Universidade de Leiden, ambas as instituições na Holanda.

Loncón se diz uma mulher de esquerda, embora nunca tenha participado ativamente de nenhum partido político — ela afirma se inspirar na tradição mapuche de votar temas em assembleias. Os indígenas chilenos são 9% da população. Destes, 84% são mapuche — o restante está dividido em outras dez nações.

A família dela tem tradição de se envolver nas lutas mapuche. Seu bisavô e seu tataravô lutaram contra a ocupação militar da Araucania em 1883 e defenderam Temuco, a capital da região.

Parte dos mapuche defende inclusive que a região se separe do Chile e da Argentina — terras indígenas também estão no país vizinho— para a criação de um novo país independente. Loncón, porém, pertence a uma ala mais moderada, que defende apenas que o Chile reconheça a soberania dos indígenas na região.

História – O povo Mapuche é originário do Chile e da Argentina e resistiu à colonização espanhola com guerras que duraram três séculos. A luta pela recuperação de seu território ancestral, por mudanças constitucionais em prol dos direitos indígenas e reconhecimento por parte dos Estados de suas especificidades culturais é permanente.

O sentimento de que os mapuche têm direito à autodeterminação é sustentado pela preservação da língua materna, o mapudungun (que em português significa som da terra).

Ao alimentar o separatismo e a independência do Chile e da Argentina o movimento mapuche declara: "Debaixo de um ambiente intolerável de opressão, não se vislumbram perspectivas de reconciliação”.

Os mapuche são conhecidos também como araucanos (nome que os espanhóis lhes deram, mas que eles não reconhecem como próprio e é tido como pejorativo).

Os grupos localizados entre os rios Biobío e o Toltén (atual Chile) conseguiram resistir com êxito aos conquistadores espanhóis na chamada Guerra de Arauco, uma série de batalhas que durou 300 anos, com longos períodos de trégua. A coroa de Espanha reconheceu a autonomia destes territórios em 1641, por meio do Tratado de Quilín. Após a independência de Chile e Argentina, estes territórios foram invadidos por destacamentos militares republicanos, sendo a população Mapuche confinada em "reduções" no Chile e reservas indígenas na Argentina.

Por causa desse processo de expulsão territorial, mais da metade da população indígena Mapuche vive hoje em dia em zonas urbanas, muitas mantendo, entretanto, vínculos com suas comunidades de origem.

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