"A vida é de quem se atreve a viver".


Livro de Luís Turiba, artesanato literário pandêmico, resistente e combativo
A poesia resistente em tempos de pandemia

Romário Schettino –

Recebi hoje em casa o novo livro de poemas de Luís Turiba: Terráqueos, se virem... ou vice-versa.Tudo conforme o prometido, edição artesanal, caprichada, com distribuição pelos Correios. Os interessados podem solicitar seu exemplar pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo..

As 40 páginas foram impressas em casa, numa tiragem de 100 exemplares. O meu recebeu o número 11/100. O autor conta que levou três meses pesquisando como se apoderar dos meios de produção. “O resultado é esse produto bruto e sofisticado, mas poético como devem ser os instrumentos da resistência humana que estamos praticando”.

É preciso dizer também que Turiba utilizou-se do papelão para fazer a capa externa de cada livro, cortada uma a uma numa oficina onde o autor “corta, costura e chuleia”. “O Brasil é o país do papelão. Faz papelão na ecologia, na economia, na cultura, no Supremo, no Senado, principalmente na Educação. É papelão pra tudo quanto é lado”.

Nas pesquisas em busca de material reciclável, Turiba prova que o melhor papelão é o que vem do supermercado. Devidamente higienizado, compõe a capa do livro. “O vermelho sangue da pichação dessa capa tem um significado: sangue dos negros mortos à bala ou em pancadaria, sangue de tantos feminicídios, sangue das vítimas dos massacres na sociedade brasileira”.

Turiba ensina que “o papelão também tem seu valor agregado, é matéria prima da pobreza, onde se come a sobremesa, se sobremesa houvesse pra quem tem fome. É cama para quem mora na rua. É teto e grana curta para catadores e base de artimanhas de poetas, artistas plásticos e atores. Sem papelão não há carnaval, nem passeatas”.

Terráqueos, se virem, chegou às minhas mãos amarrado com palhas do orixá Obaluaiê, dono da Terra, rei da Saúde. Axé! Todo o trabalho contou com a participação de Luca, da escolha dos poemas á programação visual, incluindo fotos e desenhos.

Mas toda essa minuciosa produção não fica aí só no livro impresso, tem ligações na internet. O leitor é remetido para o YouTube onde está instalada a Rádio Quarentena Musical (clique aqui, ouça, se inscreva e participe com seus comentários).

Turiba sabe o que faz, há décadas nos brinda com sua poesia provocativa e sua criatividade antenada, desde os tempos da famosa revista brasiliense Bric-a-Brac. Seu olhar para as causas indígenas, meio ambiente, o sentido da vida em toda a sua extensão, pulsante, está transmutado em versos fortes como os desse poemeto recente: “sem nem /o sem cê-pê-éfe /nem pro / pê-éfe tem”.

Ou o antigo “Ou a gente se Raoni, /ou a gente se Sting. /Uma metade passa fome /outra metade faz regime”, que continua atualíssimo no que ele chama de “pandemônio social/político que tomou conta do Brasil e do mundo neste 2020”.

A seguir, transcrevo do livro um poema que fala do racismo e da luta contra o preconceito despertado pelo assassinato de George Floyd nos EUA. Vale também para o assassinato de João Alberto Silveira Freitas, ocorrido em Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência Negra.

A conta chegou

o corpo de George Floyd
enforcado pelos joelhos de um
policial racista foi capaz de
ressuscitar um mundo
entorpecido de mortes e vírus
na América em Paris Londres
Sampa e Rio de Janeiro

ninguém morre de susto de bala
ou de vício na véspera do dia
do seu sacrifício no vazio em vão
de ocos e ecos de um crime
que vai e volta em repetecos
tecos tecos tecos tecos

essa conta vai chegar está chegando
e será paga com suor garra votos
e sangue sangue sangue sangue
se não for no inferno há de ser
no verão ora se não?!
quem há de duvi dar do ar
arrrr ah.... como viver sem respirar
por séculos seculares
(L.T.)

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Atenção: Encomendas do livro podem ser feitas pelo email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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