Romário Schettino –
Neste domingo (7/6), quando as ruas de várias cidades brasileiras ferviam com manifestações contra Bolsonaro, em defesa da democracia e contra o racismo, a GloboNews exibia uma longa entrevista – de quase duas horas – com Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), conduzida pela jornalista Miriam Leitão.
Faltou o Fernando Haddad (PT). No primeiro turno, Haddad, sozinho, teve muito mais voto (29,2%) do que Ciro (12,4%) e Marina (1%). E o PSDB de FHC, representado por Geraldo Alckmin obteve apenas (4,6%) dos votos válidos.
Feito esse registro, nada impede que Haddad seja incluído em outro debate tão importante quanto esse, pois a pauta era, a rigor, a união de todos contra Bolsonaro. Pois é sabido que Haddad assinou o manifesto #TodosJuntos, apesar das críticas e ressalvas de Lula.
E o que disseram esses entrevistados? Todos disseram que são a favor da união para derrotar Bolsonaro. Todos acham que é necessário deixar de lado as diferenças e encontrar saídas democráticas para o desastre que é o governo que está aí. FHC disse que não “tem rancor de ninguém”. Segundo ele “é hora de olhar para frente com agendas mais amplas, não tenho motivos para ficar pensando no passado”. Ele propõe a construção de uma pauta comum para avançar, já que Bolsonaro “representa o atraso”. Imagine uma pessoa que ainda “acha que a terra é plana? Isso é impensável”.
Ciro Gomes disse estar de acordo com a união de todos, mas acrescentou: “Vamos deixar para o futuro a discussão sobre o motivo pelo qual chegamos ao fundo do poço, ao ponto de ser governados por um boçal.”
Fernando Henrique, mais ponderado, afirmou que sem liberdade não se faz nada. “Estamos no mesmo barco. É preciso ter esperança no futuro”, acrescentou, ao defender a união de todos.
Se Haddad estivesse no debate, talvez não deixasse passar esses recados sutis sem reagir. Pode ser que não, mas os petistas e os eleitores de Haddad sabem que Ciro o abandonou no segundo turno por pura pirraça e falta de visão histórica e política. Poderíamos, sim, estar em melhor situação hoje.
Em relação a FHC, pesa o fato de ele não ter movido uma palha para condenar o golpe de 2016, gestado por Aécio Neves & cia.
Marina também tem lá suas mágoas, mas parece estar disposta a passar por cima de tudo e se somar aos que não querem mais Bolsonaro em hipótese nenhuma.
E o que disse cada um sobre a conjuntura atual?
FHC: Bolsonaro não sabe governar. Estamos assistindo à destruição da economia, aumento de desemprego e falências. Atentados contra a liberdade de imprensa e uma pandemia administrada por 23 militares; o Ministério da Saúde, sem ministro. E quando chegarmos a 100 mil mortos, o que dirão os militares?
Marina: Bolsonaro aprofunda a crise com essas pedaladas pandêmicas. Esconde os números. Não podemos subestimar Bolsonaro. Temos que juntar a esquerda, o centro e a direita democráticas para enfrentar a crise.
Ciro Gomes: As divergências devem ficar guardadas. Vamos cuidar da vida, do emprego e da política. Quem não vier é traidor.
Marina: Eu acredito numa frente ampla contra este governo. Somos 70% da população que não aceita Bolsonaro, essa é uma verdade. Está no poder alguém que não gosta de negros, de índios, das mulheres. Eu nunca tive problema com quem aceita o diálogo.
FHC: Esconder números não dá mais. Agora tem a internet e outras formas de comunicação. O que não dá para aceitar é a falta de rumo. Não é possível, temos que ficar indignados, sim.
Marina: O que Bolsonaro fez com o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, é inaceitável. Uma falta de respeito. Tudo porque Virgílio mostrou as valas comuns com os mortos sendo enterrados por falta de espaço para tantas vítimas.
Ciro Gomes: Não temos vacina. Nunca vi um político dando receita de remédio como faz Bolsonaro. Essa manipulação dos números é crime e vamos impedir isso. As manifestações e os motivos para um impeachment são fortes. Falta acumular as condições. Bolsonaro ainda tem 30%, mas nós somos 70% e somos da vida, ele é da morte. Acho que em setembro podemos fazer o impedimento de Bolsonaro. PDT, PSB, PV e Rede estão juntos na construção do impeachment com o objetivo de salvar vidas, salvar empregos e salvar a democracia.
FHC: Para um impedimento é preciso ter gente nas ruas (o isolamento impede isso, por enquanto), crimes de responsabilidade (há vários) e disposição política. Bolsonaro está dando motivos e condições para um impeachment. Ele está cavando seu próprio fosso. Eu não votei nele, e mesmo que tivesse votado não tenho nada a ver com isso. Precisamos de liderança. Essa liderança tem que emergir, gente nova. O futuro é da geração do futuro.
Ciro Gomes: O governo está destruindo 1,5 milhão de empregos por mês. Não aceito votar em estagiários [pode estar falando do Huck] para o futuro.
FHC: Não acredito que as Forças Armadas estejam pensando em golpe. Temos que conversar com os militares com franqueza. Eles têm fuzis, nós não.
Ciro Gomes: Bolsonaro está mobilizando as PMs. O que ocorreu no Ceará foi a politização dos policiais contra o governo estadual. E isso estava sendo preparado para acontecer em mais dois estados [Bahia e Pernambuco].
FHC: A desigualdade está naturalizada no Brasil e a pandemia vai aprofundá-la. Quem vai pagar essa conta? Os pobres ou os ricos? Eu apoiei o projeto de renda mínima do ex-senador Eduardo Suplicy, consegui aprovar a taxação das grandes fortunas no Senado, mas foi barrada na Câmara. Bolsonaro está atrasado em todas as questões fundamentais.
O debate continua nas redes sociais, nos partidos políticos e na imprensa. É claro que nada vai acontecer sem o Partido dos Trabalhadores. Mas a questão não é saber se o PT vai ou não entrar no primeiro ônibus que passa. A questão é saber se vai ou não perder o bonde da história. Esse é um momento de reflexão em busca da melhor forma para o país sair dessa imensa crise. E a frente ampla pode ser uma porta da responsabilidade.