Marcos Bagno -
Agora que o mal está feito e o crime organizado se apoderou com suas garras de abutre do Governo Federal da maneira mais sórdida impossível, minha grande preocupação, meu temor mais agudo é o de que o fascismo latente nas classes médias e médias altas se sinta plenamente autorizado a sair de uma vez por todas do armário e agir às claras, em plena luz do dia, no meio da rua.
Um fascismo que, infelizmente, também contamina muitas pessoas que sempre foram suas vítimas preferenciais, mas que não têm discernimento suficiente para resistir à propaganda diuturna da mídia golpista.
Pessoas que ainda sentiam alguns resquícios de escrúpulos de externar em público seu racismo, sua homofobia, sua misoginia, seu desprezo pelos mais pobres decerto têm agora um argumento mais do que plausível para abandonar esses laivos de vergonha e impor (sem temer e com Temer) sua visão de mundo autoritária, intolerante, corrupta e tacanha ao resto da população.
Mais do que isso, talvez: vendo que quem agora manda e desmanda no país são os representantes das forças mais retrógradas, hiperconservadoras e arcaicas do nosso espectro social, essas pessoas se espelharão nesses mafiosos que rapinam o poder e os tomarão como modelos a seguir, na certeza de que o crime compensa e a impunidade está mais do que garantida.
Afinal, um Congresso onde a maioria dos parlamentares é composta de homicidas confessos, traficantes internacionais de drogas e armas, apologistas da tortura, exploradores da fé religiosa das massas ignorantes, latifundiários escravagistas donos de territórios maiores do que muitos países juntos, gente escandalosamente rica e mergulhada em práticas ilegais de corrupção e delitos muito piores... esse Congresso só pode inspirar às pessoas dotadas da moral ambígua e maleável da classe média o desejo de ser assim também, de ser rico roubando e corrompendo, de mandar matar quem não convém, de tramar um golpe de Estado contra a vontade popular expressa nas urnas.
Mentir, forjar acusações, mentir, distorcer as leis, mentir, subornar juízes dispostos a serem subornados, mentir, tramar falcatruas no mais alto escalão da República, mentir, deixar claro que a ilegalidade é que comanda, mentir, conspirar contra os princípios básicos da vida em sociedade... todas essas práticas – vitoriosas, exitosas, muitíssimo bem-sucedidas – só podem comprovar o que os fascistas em germe já sabem no abismo profundo de seu espírito covarde: a sociedade é para o uso, o deleite e o desfrute exclusivo dos corruptos poderosos e dos que se dispõem a lamber as botas desses poderosos corruptos.
O Brasil já é campeão mundial de assassinatos de gays, lésbicas e transexuais.
Meu receio é que esse recorde seja superado e atinja níveis tão altos que nenhum outro país conseguirá nos alcançar nesse quesito.
Temos uma das sociedades mais desiguais e excludentes do planeta, em que 1% da população controla 27% da riqueza nacional e em que um bilionário e um assalariado pagam exatamente os mesmos impostos. Repito: uma das mais excludentes... mas é bem possível que ela se torne a mais excludente de todas, se a corja de perdedores inconformados que acaba de sequestrar o poder levar a cabo todos os seus planos.
O massacre praticado diariamente contra a população negra, especialmente os jovens do sexo masculino (cuja expectativa de vida é de 17 anos), sobretudo pelas forças policiais, braço armado dos donos do poder, talvez se transforme em genocídio puro e simples.
O feminicídio de uma sociedade entranhadamente misógina talvez aumente sua taxa de uma mulher assassinada a cada hora e meia para duas ou três assassinadas por hora.
Meu receio de que nossa vida cotidiana seja marcada por essa liberdade de ação concedida ao fascismo parte de uma triste experiência pessoal.
Há coisa de mês e meio, em circunstâncias que prefiro não explicitar, fui agredido fisicamente por um homem branco notoriamente racista, machista e homofóbico, indignado com algo que eu tinha publicado no Facebook: uma crítica à atitude de pessoas que, como ele, se vestiam de camisa da CBF e vomitavam brados contra Dilma Rousseff, mas achavam lindo que seus filhos estivessem fora do país graças ao programa Ciência Sem Fronteiras, criado pela mesma Dilma Rousseff.
Ou seja: bolsa-família, nunca! Mas bolsa-para-meu-filhinho-passar-um-ano-na-Europa, sempre!
Minha postagem não citava nomes, mas a carapuça parece que serviu bem. Desse modo, a covardia, marca registrada dos fascistas, emergiu sem mais disfarce.
Por sorte, tudo o que recebi foi um tapa no pescoço, porque as pessoas que estavam em volta impediram que ele prosseguisse em sua sanha irracional, em seu total desrespeito ao convívio civilizado mínimo (outra característica do fascismo, aliás).
Esse episódio tem me deixado profundamente triste e preocupado. Que o crime organizado tome conta do poder executivo supremo (e do judiciário supremo, acrescente-se) é coisa que se compreende quando se conhece bem a história, melancólica e trágica história, deste país.
Passei a infância, a adolescência e o início da fase adulta sob a ditadura militar, meu pai sofreu processo judicial por “atos subversivos”, de modo que sei bem o que é repressão e medo de repressão.
Mas sempre tínhamos alguma liberdade e segurança ao menos dentro de casa, na intimidade da família, no círculo dos amigos verdadeiros, em ambientes onde sabíamos que a mão de ferro do Estado autoritário não nos alcançava.
Agora, no entanto, nessa fase da história em que as ditaduras não precisam mais de aparatos militares porque se servem com muito maior eficiência da tecnologia de ponta dos meios de comunicação, que exercem o papel que antes era confiado aos órgãos oficiais de propaganda, temos de tomar cuidado para não sermos atacados em festas de família, em lojas, em salas de cinema, na fila do ônibus, na porta dos restaurantes, no salão do barbeiro, no balcão da padaria, no interior dos aviões, no parquinho infantil, na mesa do bar, em sala de aula...
Os fascistas estão aí, livres e soltos, confiantes na impunidade, certos de que agora têm o apoio firme dos assaltantes das instituições, dos demolidores dos direitos, dos assassinos da legalidade.
Confesso meus temores. Mas também confesso que são eles que me impelem para continuar desobedecendo, resistindo e lutando.
E aproveitando qualquer ocasião de fala pública para denunciar os covardes. Como faço aqui e agora.
Michel Temer é golpista!